Enquanto os EUA iniciam operações comerciais em vias públicas com caminhão autônomo, o Brasil concentra sua automação em zonas industriais e mineradoras. A diferença? Infraestrutura, regulação e ambição tecnológica.
Quando o assunto é caminhões autônomos, uma tecnologia que promete aumentar a segurança nas estradas e mitigar a falta crônica de motoristas, há um vácuo entre os Estados Unidos e o Brasil por razões até óbvias — como a precariedade da infraestrutura viária, a ausência de conectividade confiável e o atraso em legislações específicas no território nacional. Não que o Brasil esteja alheio à revolução. Os caminhões autônomos já são uma realidade por aqui, especialmente em setores fechados como mineração, logística portuária e operações agrícolas. Porém, quando o tema é o uso de veículos autônomos em vias públicas, podemos dizer sem exagero que há um abismo entre o Hemisfério Norte e o Sul.
Estados Unidos: do teste à operação comercial nas estradas
Em abril de 2025, a Aurora Innovation se tornou a primeira empresa a lançar oficialmente uma operação de transporte comercial com caminhões autônomos pesados em vias públicas nos EUA. O feito histórico envolveu o transporte de produtos congelados por mais de 1.930 quilômetros entre Dallas e Houston, no Texas, sem qualquer intervenção humana.
O caminhão operava com o Aurora Driver, sistema de direção autônoma Nível 4 na escala da SAE, com câmeras, radares e sensores LiDAR que detectam obstáculos a mais de 450 metros. O projeto foi precedido por quatro anos de testes e mais de 4.828.020 de quilômetros rodadas de forma supervisionada.
Outras empresas também integram esse ecossistema:
- Waymo Via, da Alphabet (Google), testa caminhões Freightliner Cascadia autônomos em vários estados.
- Kodiak Robotics já opera o primeiro “truckport” (ponto de apoio exclusivo para caminhões autônomos) na Geórgia.
- Plus realiza testes com seu sistema SuperDrive no Texas e na Suécia.
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Além da tecnologia, os EUA contam com infraestrutura adaptada e políticas estaduais permissivas: Texas, Arizona e Arkansas lideram essa revolução com regulamentações pró-autonomia. Há estados em prol da restrição, como Califórnia e Indiana. A ausência de um marco regulatório federal ainda é um gargalo, mas mesmo isso não impediu a evolução do setor.
Brasil: realidade autônoma, mas confinada
Enquanto os EUA colocam caminhões sem motorista em suas rodovias, o Brasil aposta em operações confinadas — ou seja, fora de vias públicas. A líder desse movimento é a Vale, que desde 2016 opera caminhões fora de estrada autônomos na mina de Brucutu (MG). Hoje, a empresa já conta com 24 caminhões autônomos, 18 perfuratrizes e 30 máquinas de pátio operando sem intervenção humana em suas minas em Carajás (PA) e Minas Gerais.

Os veículos da Vale, fabricados pela Caterpillar, têm capacidade para até 320 toneladas e operam com rede 4G privada. A empresa estima uma redução de 10% no consumo de combustível e 15% nos custos de manutenção, além de ganhos expressivos em segurança: nenhuma fatalidade registrada desde o início da operação autônoma.
Outra iniciativa relevante é a da Lume Robotics, startup capixaba que colocou o primeiro caminhão 100% autônomo do Brasil para operar dentro do terminal portuário de Aracruz (ES), transportando celulose. Em parceria com a Suzano, a Lume também desenvolve o primeiro caminhão elétrico autônomo sem cabine da América Latina.
O abismo estrutural e regulatório
A grande diferença entre os dois países não está apenas na tecnologia, mas sim na capacidade de escalar e integrar essas soluções à malha pública de transporte. Enquanto o Texas, por exemplo, já conta com rotas logísticas exclusivas para veículos autônomos, no Brasil sequer se discute um marco regulatório nacional específico para esses veículos.
As principais barreiras para a adoção de caminhões autônomos em vias públicas no Brasil incluem:
- Infraestrutura rodoviária precária, com sinalização deficiente e manutenção irregular;
- Conectividade limitada, especialmente fora dos grandes centros urbanos;
- Ausência de regulamentação nacional que defina parâmetros para operação autônoma em rodovias;
- Baixo incentivo à inovação em transporte pesado por parte do setor público.
Em outras palavras, enquanto os EUA estruturam uma rede de apoio legal, logístico e tecnológico, o Brasil ainda depende do setor privado para impulsionar qualquer avanço — restrito a ambientes controlados, fechados, e com investimentos próprios.
Caminhões autônomos e o futuro da logística
A promessa dos caminhões autônomos vai além da redução de custos. O setor de transporte rodoviário enfrenta uma crise global de escassez de motoristas — nos EUA, o déficit pode chegar a 160 mil profissionais até 2030, segundo a American Trucking Associations. A automação aparece como uma saída viável, especialmente para rotas longas, repetitivas e de alto custo humano.
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Conclusão: dois mundos sobre rodas
A comparação entre Brasil e Estados Unidos no campo dos caminhões autônomos não é apenas tecnológica — é estrutural, política e estratégica. Enquanto o país norte-americano avança com testes públicos e parcerias com gigantes do setor de logística, o Brasil se mostra eficiente apenas onde consegue isolar o ambiente e controlar todas as variáveis.