No meu artigo de estreia na Frota News, abordei a crise da segurança pública no Brasil. De início, minha pretensão era apenas relatar, ainda que superficialmente, uma vez que o tema é muito mais complexo e profundo, como a criminalidade tem avançado em nosso país. Entretanto, nessa semana, dois casos envolvendo estupro e assassinato, fizeram-me questionar: como chegamos até aqui? Como normalizamos o ceifamento de tantas e tantas vidas?
Antes de nos aprofundarmos nessa pergunta, caro leitor, devo, antes de mais nada, familiarizá-lo com esse dois crimes que até o presente momento tem-me estarrecido. O primeiro deles ocorreu no último dia 22. O criminoso é Lucas Alves de 18 anos que matou sua namorada a facadas em São Paulo. Infelizmente, assassinatos tornaram-se tão comuns no nosso país, que a princípio não há nenhuma “novidade” nesse relato, no entanto, há algo nessa triste história que não escapará de seus olhos sem que antes cause espanto. Prossigamos. Após assassinar Ana Carolina Pereira de Santana, também de 18 anos, Lucas fugiu. Ele, que encontrava- se foragido, apresentou-se à polícia na segunda- feira, dia 24, confessando o crime. Lucas confessou o crime e liberaram-no. E por qual motivo libertaram um criminoso confesso neste país?
Leia o primeiro artigo:
A (in)segurança pública brasileira
Impunidade
Segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), Lucas se “apresentou espontaneamente” e ao apresentar-se, foi ouvido e “formalmente indiciado”. Sim, ele foi FORMALMENTE INDICIADO. O que isso significa? Significa que Lucas continua livre, enquanto Ana está a sete palmos do chão. Pelo menos, essa é a única interpretação cabível.
O outro caso, envolve um barbeiro que, com o pretexto de consertar o sinal de internet, invadiu uma casa e abusou de uma criança de 10 anos no sul de Goiás no último dia 24. A “novidade” nessa história —que não é de modo nenhum algo novo— é que o criminoso estava em prisão domiciliar e usava tornozeleira eletrônica. Por quais crimes? Por estupro. Em 2014 ele foi preso por abusar sexualmente de pelo menos sete crianças, com idade entre 9 e 15 anos de idade, também no Sul de Goiás. Em 2018, ele foi condenado a 64 anos de prisão pelo estupro de duas das vítimas.

Esses dois relatos parecem tão familiares para nós, pois costumamos ser bombardeados com tantas histórias trágicas envolvendo homicídio, estupro, violência doméstica, assalto etc., que nos acostumamos com esse cenário de guerra que custa a vida de milhares de brasileiros todos os anos. Mas, afinal, como chegamos até aqui? Não serei capaz de responder uma pergunta tão complexa em algumas linhas, mas proponho-me a fazer algumas observações que trarão uma certa clareza a respeito desse questionamento.
O primeiro deles é a existência da progressão de regime que, basicamente, permite que todo crime tenha o direito de voltar para as ruas logo após cumprir uma pequena parte da pena à qual foi condenado e isso independentemente do crime, do seu histórico criminal e até de já ter fugido da prisão várias vezes. Ou seja, na prática, a progressão de regime estimula a impunidade.
Assista os cortes do FrotaCast:
O crime compensa
O segundo é a audiência de custódia, que nada mais do que um procedimento que visa o bem estar do preso e que deve ocorrer em até 24 horas após a prisão do criminoso. A finalidade desse procedimento é garantir e proteger, única e exclusivamente, os direitos humanos de quem está preso em flagrante. Nessa audiência não há uma única discussão sobre o fato que levou à prisão.
Além disso, a atual lei brasileira permite que a prisão autorize o preso a sair temporariamente, até cinco vezes ao ano, normalmente em datas festivas como Natal, Ano-Novo, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Finados. Cada saída pode durar até sete dias e isso dá um total de trinta e cinco dias. Assim, um criminoso tem um peŕiodo maior de “férias” que um trabalhador comum e honesto tem sem ter cometido crime nenhum.
Há ainda o auxílio reclusão, que dá ao preso o direito de receber um benefício de até 1.503,25 reais (valor vigente no ano de 2021). E para que o criminoso receba tal benefício ele precisa apenas comprovar que exerceu atividade remunerada que o enquadre como contribuinte da Previdência Social. Isto é, basta provar que passou por um período de experiência de 90 dias em um emprego antes de cometer um crime para que a família do criminoso tenha direito ao auxílio. Só para fins didáticos, só em 2012, o governo pagou 434 milhões de reais em Auxílio-Reclusão. A pergunta que fica é: quais benefícios para as famílias das vítimas? Quanto custa a vida humana no Brasil?
Incentivos à vida do crime
Todos os fatos acima citados são apenas alguns dos inúmeros incentivos à vida do crime. No país da impunidade, por exemplo, um homicida pode receber uma sentença de apenas 6 anos. A Constituição garante o direito inviolável à vida, mas os crimes confessos têm vilipendiado esse direito em nome da ‘reabilitação’, fazendo do crime uma atividade lucrativa. Eles criam, assim, uma atmosfera propícia para fomentar o banditismo e legitimar a omissão das autoridades, permitindo que quantidades de milhares de pessoas morram sob o impacto crescente da criminalidade e do narcotráfico.