Há alguns anos, após passar mais de 24 horas no Pronto Socorro do Hospital Risoleta Tolentina Neves, em Belo Horizonte, escrevi um artigo com o título “O que o e-commerce e o delivery têm a ver com a lotação dos hospitais”. O objetivo foi chamar a atenção das empresas que usa os serviços dos motociclistas para as entregas de suas mercadorias para o consumidor final e, mas não colaboram em quase nada para o aumento da segurança, seja com treinamento, fiscalização ou financiamento de equipamentos de segurança.
Passados quatro anos, pouca coisa mudou. Aliás, houve o aumento da frota de motociclistas e, consequentemente, de acidentes que poderiam ser evitados, ou reduzidos, apenas com investimento em treinamento.
A frota de motocicletas no Brasil atingiu um novo recorde em 2024, com 28,2 milhões de unidades registradas, representando um aumento de 5,07% em relação ao ano anterior. Esse crescimento expressivo reflete uma tendência de mobilidade urbana mais acessível e econômica, mas também acarreta desafios significativos para a segurança no trânsito e para o sistema de saúde pública.
Dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran) indicam que o Brasil possui atualmente cerca de 35 milhões de motocicletas registradas, correspondendo a 28% da frota total de veículos no país. Em 2024, foram emplacadas aproximadamente 1,8 milhão de novas motos, o que equivale a cerca de 7,7 mil unidades por dia.
Impacto na saúde pública
O aumento da frota de motocicletas tem sido acompanhado por um crescimento preocupante nos acidentes de trânsito envolvendo esses veículos. Em 2024, mais de 148 mil motociclistas foram internados no Sistema Único de Saúde (SUS) devido a acidentes de transporte, gerando um custo de R$ 233,3 milhões para os cofres públicos, ou seja, para os contribuintes.
Além dos custos financeiros, há um impacto social significativo. A maioria das vítimas são jovens entre 20 e 29 anos, o que representa uma perda considerável de força de trabalho e produtividade para o país. Estima-se que para cada motociclista hospitalizado, pelo menos quatro pessoas próximas são diretamente afetadas, seja por necessidade de cuidados, apoio financeiro ou reorganização da rotina familiar.
As plataformas de aplicativos de entregas
As plataformas de entrega por aplicativo no Brasil, como iFood, Uber, 99 e outras, têm enfrentado crescente pressão para adotar medidas que reduzam os acidentes envolvendo seus entregadores. Apesar de algumas iniciativas pontuais, especialistas e representantes da categoria apontam que as ações ainda são insuficientes diante do aumento da frota de motocicletas e dos riscos associados ao modelo de trabalho.
Um dos maiores problemas é a renda dos entregadores insuficientes para compra de equipamentos de segurança e a correta manutenção das motocicletas. O iFood, líder no setor de delivery no país, afirma que desde 2022 vem promovendo aumentos na remuneração dos entregadores. Durante uma audiência pública na Câmera dos Deputados, em Brasília, o diretor de impacto social do iFood, Johnny Borges, prometeu um novo ajuste na remuneração dos entregadores ainda no primeiro semestre de 2025. Entretanto, representantes da categoria criticaram a falta de ações concretas das plataformas para melhorar as condições de trabalho e segurança.
Outro problema apontado como causa dos acidentes é a remuneração por produtividade, que leva os entregadores a correrem mais e a negligenciarem as normas de segurança. O Ministério Público do Trabalho (MPT) identificou que a modalidade de entrega expressa do iFood pode violar a Lei 12.436/2011, conhecida como “Lei Habib’s”, que proíbe práticas que incentivem entregadores a acelerar suas motos, aumentando o risco de acidentes. Segundo o MPT, há indícios de que as plataformas não cumprem integralmente as normas de segurança previstas na legislação.
Apesar das discussões e promessas na audiência pública, entregadores continuam enfrentando desafios significativos. Relatos indicam que, para evitar penalizações nos aplicativos, muitos se sentem pressionados a aceitar todas as corridas, mesmo em condições adversas, o que aumenta o risco de acidentes. Além disso, a falta de infraestrutura adequada, como pontos de apoio para descanso e higiene, e a ausência de políticas públicas eficazes de educação e fiscalização no trânsito agravam a situação.
Desafios e medidas necessárias
A crescente utilização de motocicletas, especialmente por trabalhadores de aplicativos de entrega, expõe uma parcela significativa da população a riscos elevados no trânsito. A falta de infraestrutura adequada, como faixas exclusivas e sinalização apropriada, aliada à ausência de políticas públicas eficazes de educação e fiscalização, contribui para o aumento dos acidentes.
Para mitigar esses problemas, especialistas sugerem:
- Educação no trânsito: Campanhas de conscientização sobre segurança e respeito às leis de trânsito.
- Infraestrutura adequada: Investimentos em vias exclusivas para motocicletas e melhorias na sinalização.
- Fiscalização mais educativa e menos arrecadatória: Aumento da presença de agentes de trânsito com foco em educação e uso de tecnologias para monitoramento.
- Apoio aos motociclistas: Programas de capacitação e acesso a equipamentos de segurança de qualidade.
Análise Frota News
O crescimento da frota de motocicletas no Brasil reflete mudanças nos padrões de mobilidade e trabalho, oferecendo vantagens em termos de economia e agilidade. No entanto, é imperativo que esse avanço seja acompanhado por políticas públicas que garantam a segurança dos motociclistas e a sustentabilidade do sistema de saúde. Sem ações coordenadas, o país continuará enfrentando desafios significativos relacionados aos acidentes de trânsito e seus impactos sociais e econômicos.
Palavras do especialista
A Frota News convidou o jornalista e experiente instrutor de pilotagem na Abtrans, Tite Simões, para revisar e contribuir com seu conhecimento neste artigo. Confira!
Informar, Qualificar e Fiscalizar
Por Tite Simões
Cerca de dez anos atrás, foi feita uma pesquisa em São Paulo, capital, para identificar o perfil da vítima de acidente com motos. Para surpresa geral, apenas 27% das vítimas era motociclistas profissionais, conhecidos como motoboys. A pandemia de Covid-19, em 2021, mudou completamente este panorama e criou relações trabalhistas, com muita gente trabalhando em regime de home-office.
Não foi refeito o estudo, mas a quantidade de entregadores com motos na Grande São Paulo saltou de 250 para 400 mil. Números aproximados porque não há como quantificar com precisão por conta dos entregadores autônomos, sem vínculo com aplicativos.
Além disso, a difícil mobilidade em uma cidade com 12,5 milhões de habitantes, empurrou muita gente para o uso de motos e bicicletas com assistência elétrica. No meu curso de pilotagem Abtrans recebo semanalmente dezenas de novos motociclistas que precisam da moto para melhorar a qualidade de vida. Vimos casos de pessoas que ficavam até quatro horas se deslocando em transporte público, que conseguiram reduzir para menos de uma hora. Este tempo que ganharam foi usado para estudar, ficar com a família ou até mesmo dormir mais um pouco.

Mas São Paulo não é o pior trânsito do Brasil em termos de vítimas. Quando se cruzam os dados de vítimas por usuário a capital paulista está em nono lugar. Nos primeiros lugares estão cidades do Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Em algumas cidades o sistema de saúde já colapsou e perderam a capacidade de atender outras enfermidades. Com um agravante: a vítima de acidente de moto fica imobilizada por muito tempo, onerando também a seguridade social e toda uma cadeia de profissionais da saúde como fisioterapeutas.
A única resposta para este quadro é um trabalho em três frentes: informação, qualificação e fiscalização.
Sobre a Abtrans
Abtrans – Academia Brasileira de Trânsito – foi criada em 2012 para atuar como uma pós-graduação da moto-escola. Hoje atende tanto motociclistas não habilitados quanto os já habilitados, mas sem experiência. Também atua nas empresas para reduzir os afastamentos de trabalho por acidente de percurso com moto, com palestras, campanhas e aulas práticas. As aulas são no Shopping D, zona norte de São Paulo. O site www.abtrans.com.br