sábado, dezembro 6, 2025

GWM traz caminhão a hidrogênio para testes no Brasil com desafios gigantescos

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Quem acompanha caminhão sabe: promessa de “emissão zero” costuma esbarrar na vida real do frete — peso bruto total, topografia, prazo e planilha. Pois a GWM resolveu encarar o desafio com o primeiro caminhão a hidrogênio da GWM Hydrogen powered by FTXT. Uma unidade já está em solo brasileiro e inicia uma bateria (literalmente) de inspeções e testes em São Paulo. Em todos os continentes, o maior desafio tem sido a planilha financeira.

O veículo desembarcou no Porto de Santos e seguiu para a fábrica de Iracemápolis (SP), onde passa por inspeções e validações antes de rodar em vias públicas. O foco inicial é a integridade e o desempenho do sistema de alta tensão — afinal, caminhão a célula é, antes de mais nada, um caminhão elétrico que carrega uma “usina” a hidrogênio a bordo. Só depois vêm os ensaios da própria célula a combustível. Como subproduto do processo eletroquímico, sai apenas água.

Tecnicamente, a ficha é interessante: bateria de 105 kWh e cilindros para 40 kg de hidrogênio, com regeneração nas frenagens — útil em descidas de serra e operação urbana pesada.

A estreia ao público está marcada para 15 de agosto, durante a inauguração da fábrica da GWM em Iracemápolis. Mais do que inaugurar galpão, a marca usa o palco para apresentar a sua visão de eletromobilidade pesada “à brasileira”.

É o início da construção de um ecossistema de hidrogênio no Brasil, com parcerias estratégicas e soluções adaptadas à nossa realidade”, diz Davi Lopes, Head da GWM Hydrogen-FTXT Brasil.

Testes: do laboratório à estrada

Em agosto, o caminhão passa por inspeção técnica. Em setembro, começam os primeiros testes com o sistema de hidrogênio, em parceria com universidades brasileiras — destaque para a USP, que já tem infraestrutura para abastecimento a partir do etanol, rota de baixo carbono com DNA nacional.

Antes de ganhar rua, haverá ensaios de suspensão, desempenho e segurança em pistas de prova, evoluindo de operação sem carga para condições reais. O objetivo é medir, com dados brasileiros, como temperatura, altitude e pavimento afetam a eficiência. É o tipo de lição que não se copia de outro país — se mede.

Na China, “parentes próximos” desse caminhão já rodam em operações reais. Na imprensa chinesa, há notícias sobre o lançamento de lotes de caminhões a hidrogênio para uso específico. Por exemplo, um lote de 100 caminhões pesados foi lançado em Tianjin e outro projeto com 500 caminhões basculantes a hidrogênio está em operação em Guangzhou.

Trazer a plataforma para cá permite testar em topografias e climas diferentes e, principalmente, ajustar a aplicação para o nosso ciclo de transporte.

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Por que hidrogênio faz sentido (e onde ainda dói)

Para o operador, três promessas chamam atenção:

  1. Autonomia e reabastecimento rápido de um elétrico sem o “peso morto” de baterias gigantes;
  2. Manutenção típica de trem de força elétrico (menos peças móveis), com célula a combustível trabalhando como “gerador a bordo”;
  3. Emissão zero do tanque à roda — um ponto cada vez mais cobrado por embarcadores e cadeias globais.

O calcanhar de Aquiles continua sendo a infraestrutura de abastecimento e os custos do caminhão e do hidrogênio. A boa notícia: o Brasil tem uma carta na manga, etanol abundante e pesquisa local para convertê-lo em hidrogênio de baixo carbono — um atalho pragmático para viabilizar pilotos logísticos enquanto as rotas “verdes” (eletrólise) escalam. Sobre esse ponto, a própria GWM organiza a agenda de testes para avaliar diferentes fontes de H₂ (eletrolítico e reforma do etanol) e, depois, fechar conta econômico-financeira de viabilidade.

Quem está junto: governo, academia e pista

Nada disso caminha sozinho. O projeto nasce de um MoU com o Governo de São Paulo (2023) e mapeamento de cinco projetos de infraestrutura em 2024, que destravaram a fase de testes. Em paralelo, a GWM firmou acordo com o Governo de Minas Gerais e a Unifei (nov/2024) para desenvolver caminhões a hidrogênio verde, com fornecimento pela universidade e criação de infraestrutura no estado. É o tripé indústria–academia–governo funcionando como deve.

Esses testes brasileiros se encaixam no Programa MOVER, do Governo Federal, e no plano da companhia de neutralidade de carbono até 2045. Tradução: não é um demo de salão; é P&D com meta e régua pública.

E lá fora, como está? Por que projetos naufragaram nos EUA e na Europa

Nos últimos anos, caminhões movidos a hidrogênio foram apresentados como a solução definitiva para um transporte de carga de longa distância mais limpo, combinando autonomia elevada e zero emissões na operação. Mas, na prática, diversas iniciativas bilionárias nos Estados Unidos e na Europa encontraram obstáculos técnicos, econômicos e estruturais que levaram muitas ao fracasso.

Promessas não cumpridas e empresas à deriva

caminhão a hidrogênio
A Nikolas criou muitas expectativas, o que resultou em muita desconfiança no caminhão a hidrogênio

Entre os casos mais emblemáticos está a norte-americana Nikola, que chegou a ser considerada a “Tesla dos caminhões a hidrogênio”. A empresa prometia revolucionar o setor, mas em 2025 entrou com pedido de falência, após enfrentar problemas de credibilidade, atrasos de produção e falta de infraestrutura para abastecimento. Outra vítima foi a Hyzon Motors, que anunciou em dezembro de 2024 a dissolução de suas operações devido a prejuízos contínuos. A First Mode, especializada em veículos pesados para mineração, também encerrou atividades no mesmo ano.

Infraestrutura insuficiente e custos proibitivos

O combustível que deveria ser a vantagem competitiva do hidrogênio acabou se tornando um gargalo. Na Califórnia, mais da metade das estações de abastecimento estavam inoperantes em 2023. A Shell, uma das gigantes do setor, chegou a fechar todas as suas estações de hidrogênio no estado. O preço do abastecimento também assustou: chegou a ultrapassar US$ 30 por quilograma, valor que inviabiliza a operação frente a caminhões elétricos a bateria.

Na Europa, onde desde 2008 foram investidos cerca de equivalentes a R$ 6,3 bilhões em programas de mobilidade a hidrogênio, o cenário não é muito diferente. A confiabilidade dos veículos e das estações ficou abaixo do esperado, e o custo do hidrogênio verde não caiu no ritmo necessário. Estudos recentes indicam que caminhões a célula de combustível demandam até quatro vezes mais energia renovável para operar do que modelos elétricos equivalentes.

Problemas de segurança e operação

Além da dificuldade de abastecimento, houve incidentes que abalaram a confiança na tecnologia. Vazamentos de hidrogênio — alguns superiores a 35% — foram registrados em estações nos EUA, e um caso grave na Alemanha obrigou a evacuação de uma área após o escape de gás em um caminhão da Linde.

Mudança de rota das montadoras

O impacto desses problemas levou grandes fabricantes a rever seus planos. Em 2025, a Stellantis, dona de marcas como Peugeot, Citroën e Vauxhall, anunciou o fim de seus programas de veículos a hidrogênio, citando altos custos, falta de infraestrutura e baixa demanda. Paralelamente, França e Alemanha passaram a priorizar caminhões 100% elétricos, considerados mais eficientes e viáveis economicamente.

Lição aprendida

Especialistas apontam que o fracasso de parte desses projetos não significa o fim definitivo do hidrogênio no transporte pesado, mas expõe a necessidade de um redesenho da estratégia. A tecnologia ainda pode ter espaço em nichos específicos, como rotas muito longas ou aplicações industriais pesadas, mas dificilmente alcançará a escala imaginada sem investimentos maciços em infraestrutura, queda expressiva no custo do combustível e soluções para os problemas de confiabilidade.

O veredito (provisório), no estilo “pé no para-choque”

Hidrogênio não é bala de prata, mas pode ser a bala certa para missões pesadas onde o BEV puro sofre com massa de baterias e tempo de recarga. A estratégia da GWM — começar pela engenharia, casar com a universidade que domina H₂ do etanol e só então discutir business case — mostra maturidade rara em projetos de vitrine.

Se os números de campo fecharem, o operador ganha uma alternativa elétrica com autonomia e reabastecimento rápido, e o Brasil avança com uma rota de baixo carbono condizente com a sua realidade. Até lá, segue o que a marca promete desde o release: testar com método, no nosso asfalto e com energia feita aqui.

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Marcos Villela Hochreiter
Marcos Villela Hochreiterhttps://www.frotanews.com.br
Atuo como jornalista no setor da mobilidade desde 1989 em diversas redações. Também nas áreas de comunicação da Fiat e da TV Globo, e depois como editor da revista Transporte Mundial por 22 anos, e diretor de redação de núcleo da Motor Press Brasil. Desde 2018, represento o Brasil no grupo do International Truck of the Year (IToY), associação de jornalistas de transporte rodoviário de 34 países. Desde 2021, também atuo como colaborador na Fabet (Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte, entidade educacional sem fins lucrativos). Em 2023, fundei a plataforma de notícias de transporte e logística Frota News, com objetivo de focar nos temas que desafiam as soluções para gestão de frotas.
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