No dia 8 de janeiro de 2023, assistimos, atônitos, ao que foi rapidamente classificado por grande parte da imprensa e da elite falante do Brasil como “ataques antidemocráticos”. Esses veículos e personalidades, quase em estado de êxtase, trataram os acontecimentos como a oportunidade perfeita para incriminar aquilo que apelidaram de extrema direita ou “bolsonarismo”. Era o momento ideal para reforçar as narrativas que vinham sendo difundidas ao longo dos últimos cinco anos. Afinal, seria ou não o cenário propício para condenar, judicial e moralmente, os chamados “bolsonaristas” — rotulando-os como antidemocráticos e relegando-os ao ostracismo público?
Longe de qualquer pretensão de neutralidade política — muito embora eu tenha minha posição —, a questão que se impõe é: é justo condenar pessoas como a cabeleireira Débora a 14 anos de prisão por pichar “Perdeu, mané” na estátua da Justiça — em referência à frase proferida por um ministro do STF —, enquanto criminosos contumazes, como o traficante André do Rap, seguem em liberdade? Onde está a famosa “justiça cega”, aquela que julga com imparcialidade e isenção? Ou será que essa cegueira se manifesta apenas quando convém?
Do dinheiro na cueca à pichação de batom: “Perdeu, mané”
Nas últimas décadas, o Brasil foi palco de escândalos sucessivos envolvendo corrupção. Casos como o de PC Farias, Banestado, Máfia das Sanguessugas, Mensalão e Petrolão revelaram uma relação quase incestuosa entre políticos e empresários, marcada por acordos escusos e cifras milionárias.
Um desses episódios, bastante peculiar, envolveu o assessor do deputado petista José Guimarães. Em 2005, José Adalberto Vieira foi preso no aeroporto de Congonhas (SP) com 100 mil dólares escondidos na cueca e mais 200 mil reais em uma mala. O episódio, relacionado ao escândalo do mensalão, estampou manchetes em todo o país. Dezesseis anos depois, o caso prescreveu, e a Justiça extinguiu qualquer possibilidade de punição criminal tanto para o assessor quanto para o deputado. Hoje, José Guimarães, irmão de José Genoíno — outro envolvido no mensalão —, continua na vida pública e atua como líder do atual governo.
O ministro Luís Roberto Barroso, atual integrante do STF, foi quem declarou a incompetência da Corte para julgar o caso dos “dólares na cueca”, o que fez o processo ser remetido à Justiça Federal do Ceará. O mesmo ministro que, anos depois, viria a defender a punição rigorosa dos envolvidos nos atos do 8 de janeiro, em nome da “democracia pujante”. O mesmo que, em um evento da UNE, afirmou: “Nós derrotamos o bolsonarismo”, e que cunhou a emblemática frase: “Perdeu, mané”.
Recentemente, Barroso declarou que os brasileiros tendem a ter “uma indignação profunda” quando os fatos ocorrem, mas que depois “vão ficando com pena”. E concluiu: “Ninguém gosta de punir. A punição é uma inevitabilidade nessas circunstâncias.” No entanto, o que se observa é que a punição, para ele e seus pares, parece mais seletiva do que inevitável.
A democracia manchada de batom
Além do já citado José Guimarães — que, caso tivesse se reunido com embaixadores, talvez estivesse inelegível ou até mesmo condenado —, acumulam-se casos de criminosos perigosos, como traficantes e homicidas, que têm sido frequentemente beneficiados por decisões da Suprema Corte.
Um exemplo emblemático é o de André do Rap. Apontado como uma das lideranças do Primeiro Comando da Capital (PCC), foi preso em 2019 e condenado a 15 anos de prisão. Em 2020, foi libertado por uma liminar concedida pelo então ministro Marco Aurélio Mello. Desde então, seu paradeiro é incerto. O mesmo ministro já havia determinado a soltura de outros membros da facção comandada por Marcola.
Há ainda o caso da liberação, pelo STF, de outros 15 condenados por integrarem uma quadrilha que comandava o tráfico de drogas em Campinas (SP). E, como se não bastasse, o “cantor do PCC”, Elvis Riola, seguirá em liberdade após decisão do ministro Barroso.
Não são poucos os episódios em que a indignação dos magistrados da mais alta Corte do país parece ser seletiva — indo do perdão a barões do tráfico até a complacência com políticos envolvidos em esquemas milionários. A toga dos ministros segue manchando a já fragilizada reputação do Judiciário. E há quem acredite que foi um mero batom a abalar a supostamente inabalável democracia brasileira.
Enquanto isso, cidadãos comuns, como a cabeleireira Débora, enfrentam penas severas por atos de vandalismo que, embora condenáveis, estão longe da gravidade representada por criminosos de alta periculosidade. A Justiça, que deveria ser cega, parece enxergar com clareza — mas apenas quando convém.
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