Análise do ciclo de vida completo mostra que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo e vantagem na corrida global pela descarbonização. É o que mostra estudo inédito da Anfavea
Há três formas principais de medir a emissão de veículos, e elas representam a profundidade da análise ambiental. A primeira é Tanque à Roda (TTW), que mede apenas as emissões do escapamento durante a operação. A segunda, Poço à Roda (WTW) — também conhecida como Energia à Roda — amplia o escopo ao incluir as emissões da cadeia de energia, desde a produção do combustível ou da eletricidade até seu uso no veículo. Por fim, a Berço ao Túmulo (CTG) é a abordagem mais completa: soma o Poço à Roda às emissões geradas pela fabricação, manutenção e descarte final do veículo, oferecendo uma visão total do impacto ambiental de ponta a ponta.
Embora os veículos 100% elétricos a bateria apresentem emissão zero local (tanque à roda), estudos mostram que eles não são necessariamente a melhor solução quando se considera todo o ciclo de vida. Um novo levantamento da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), em parceria com a Boston Consulting Group (BCG), reforça essa conclusão: um caminhão a diesel com 15% de biodiesel (B15) pode emitir menos poluentes do que um caminhão totalmente elétrico rodando na China.
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“O B15 se mostra muito mais eficiente do ponto de vista de menos emissões e, rodando com 100% de biodiesel, ele descarboniza quase como um veículo elétrico”, destacou Igor Calvet, presidente da Anfavea, ao apresentar o estudo intitulado “Caminhos da Descarbonização: a pegada de carbono no ciclo de vida do veículo”.
Estudo pioneiro mede emissões do “berço ao túmulo”
O trabalho, inédito no Brasil, calculou as emissões de CO₂ em todo o ciclo de vida dos automóveis, caminhões e ônibus fabricados no país — da pré-produção ao descarte — e comparou esses dados com os de veículos produzidos em mercados como União Europeia, Estados Unidos e China.
A análise revelou que mais de 94% das emissões dos caminhões e ônibus a diesel ocorrem durante o uso, o que reforça o papel dos biocombustíveis na redução da pegada de carbono. Nos elétricos, o cenário se inverte: a maior parte das emissões vem da produção das baterias e insumos, especialmente em países cuja eletricidade ainda depende fortemente de fontes térmicas.
Brasil tem a matriz mais limpa do mundo
Com 90% de sua matriz elétrica composta por fontes renováveis — hidrelétricas, solar, eólica e biomassa — e 50% da matriz energética total também renovável, o Brasil se destaca globalmente. “Certamente é um dos países, senão o maior, com a matriz mais limpa”, afirmou Calvet.
De acordo com o estudo, ônibus urbanos movidos a diesel com adição de 15% de biodiesel têm as menores emissões de carbono do mundo, e o biometano se mostrou a alternativa mais limpa para o transporte de longa distância, embora ainda limitada por infraestrutura e oferta.
Caminhos múltiplos para a descarbonização
Para o diretor executivo e sócio-sênior do BCG, Masao Ukon, o Brasil já parte de uma posição privilegiada. “O país tem uma pegada de carbono menor, sustentada por sua matriz renovável e décadas de experiência com biocombustíveis e veículos flex. O estudo mostra que é possível avançar ainda mais ao melhorar a eficiência em cada etapa da cadeia produtiva e de uso”, afirmou.
Segundo Gilberto Martins, diretor de assuntos regulatórios da Anfavea, não há uma única rota tecnológica para descarbonizar o transporte. “Biodiesel e gás natural (GNV) são caminhos diferentes que descarbonizam, assim como o HVO, que começa a ganhar espaço no mercado”, disse.
Quando o assunto é transporte público, a avaliação é semelhante: ônibus elétricos e movidos a biometano podem coexistir como soluções limpas e complementares, desde que apoiadas por infraestrutura adequada e políticas de incentivo.
Descarbonização depende da cadeia completa
O estudo reforça que o desafio da descarbonização não se limita ao tipo de motor, mas abrange toda a cadeia produtiva, desde a fabricação de peças e insumos até o descarte e a reciclagem. Essa visão mais ampla está alinhada ao programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que prevê, a partir de 2027, considerar a pegada de carbono no ciclo de vida completo como critério para concessão de incentivos à indústria automotiva.


