sexta-feira, dezembro 5, 2025

R$ 36 bilhões desaparecem nas estradas dos EUA — e o mundo descobre que o roubo de cargas não é exclusivo de países emergentes

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Um novo relatório do American Transportation Research Institute (ATRI) revelou este ano que o roubo de cargas nos Estados Unidos movimenta um prejuízo anual de US$ 6,6 bilhões (equivalente a cerca de R$ 36 bilhões). O dado desmonta o mito de que o problema é exclusivo de países emergentes: nas estradas brasileiras, onde o tema costuma ganhar as manchetes, as perdas somam cerca de R$ 1,2 bilhão por ano, segundo a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística). A diferença é que, enquanto o Brasil enfrenta o desafio com foco em violência e segurança pública, os EUA encaram um cenário de fraudes logísticas cada vez mais sofisticadas, que vêm transformando o roubo de carga em um negócio global.

O relatório, intitulado “The Fight Against Cargo Theft”, analisou centenas de casos reportados por transportadoras, operadores logísticos e corretores. O diagnóstico é contundente: roubar carga se tornou um “custo padrão de operação”, nas palavras de Ben Banks, presidente da TCW, transportadora intermodal sediada no Tennessee. A pesquisa combina dados da ATRI com registros da CargoNet, principal banco de dados de incidentes de roubo de carga na América do Norte.

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Os números da ATRI mostram uma escalada vertiginosa. Apenas em 2023, as transportadoras pesquisadas relataram 555 incidentes, com perdas de US$ 16 milhões — uma média de US$ 29 mil por ocorrência. Já os provedores de serviços logísticos (LSPs), como 3PLs e corretores, registraram perdas de US$ 33 milhões no mesmo período, com média próxima de US$ 100 mil por roubo.

Mas as estatísticas oficiais ainda são parciais. A CargoNet contabilizou 2.852 casos em 2023, que somaram US$ 332 milhões em cargas roubadas — o triplo da amostra da ATRI. No entanto, há consenso entre especialistas de que grande parte dos roubos não é reportada, por medo de aumento nos prêmios de seguro ou receio de exposição pública.

Mais grave ainda: 74% das cargas roubadas nunca são recuperadas, e apenas 2% retornam integralmente às mãos dos donos. A impunidade, portanto, alimenta o ciclo do crime.

O levantamento também mostra o perfil do “horário nobre” para os roubos. Os ataques ocorrem, em sua maioria, à noite e nos fins de semana, quando o tráfego é menor e há menos vigilância. Terminais de transportadoras e estacionamentos de caminhões são os pontos mais vulneráveis, seguidos de áreas de descanso e pátios de embarque de clientes.

Do furto simples à fraude digital

O estudo da ATRI diferencia três tipos de roubo. O primeiro é o furto parcial (pilferage), quando criminosos retiram parte da carga de um semirreboque. O segundo, mais direto, é o roubo completo do caminhão ou do contêiner. Mas o tipo que mais preocupa as empresas atualmente é o roubo estratégico, uma forma sofisticada de fraude que mistura engenharia social, falsificação de identidade e uso de plataformas digitais de corretagem de frete.

Nesse formato, criminosos se passam por transportadoras legítimas, assumem embarques via plataformas on-line, redirecionam cargas para armazéns falsos e desaparecem. O episódio mais emblemático foi o roubo de duas carretas com tequila da marca Santo, pertencente ao chef Guy Fieri e ao músico Sammy Hagar — um golpe de mais de US$ 1 milhão, em novembro de 2024, viabilizado por um esquema de double brokering (corretagem dupla).

A digitalização, que trouxe eficiência e transparência às cadeias logísticas, acabou criando novas brechas de vulnerabilidade. Dados de embarque, rotas e horários de coleta estão disponíveis em sistemas que podem ser acessados por hackers ou falsos prestadores. O roubo, antes dependente da força física, agora depende da inteligência cibernética.

 

Custos que se multiplicam

O relatório alerta que as perdas diretas são apenas a ponta do iceberg. O impacto real, considerando custos indiretos — paralisação de operações, aumento de seguros, substituição de produtos, danos à reputação e perda de contratos — pode ser de três a seis vezes maior que o valor da carga roubada.

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Com isso, os US$ 6,6 bilhões estimados pela ATRI podem representar mais de US$ 20 bilhões em prejuízos totais para a economia americana. Na prática, parte dessa conta é repassada ao consumidor final, refletida no preço de alimentos, eletrônicos, roupas e combustíveis.

Paralelos com o Brasil

Embora em dimensões diferentes, o Brasil vive dinâmica semelhante. De acordo com dados da NTC&Logística e da Secretaria Nacional de Segurança Pública, o país registrou quase 13 mil roubos de carga em 2024, com prejuízo superior a R$ 1,3 bilhão.

A concentração também segue o padrão norte-americano: São Paulo e Rio de Janeiro respondem por mais da metade dos casos. Mas enquanto nos EUA o crime tem migrado para golpes digitais e fraudes contratuais, no Brasil predominam os ataques físicos, frequentemente com violência armada e quadrilhas organizadas ligadas ao crime urbano.

Outro ponto de diferença é a infraestrutura de resposta institucional. Nos EUA, a CargoNet atua como banco nacional de dados, integrando transportadoras, seguradoras e polícia. Já no Brasil, os registros ainda são dispersos entre órgãos estaduais, e o compartilhamento de informação entre transportadores e autoridades é limitado.

Ainda assim, há avanços recentes: o uso de tecnologia embarcada, rastreamento em tempo real e inteligência preditiva tem reduzido incidentes em corredores críticos como Anhanguera-Bandeirantes e BR-116.

Em ambos os países, o elo mais fraco é o mesmo: a vulnerabilidade durante as paradas. A ausência de pontos seguros para descanso e estacionamento de caminhões cria oportunidades para o crime — um problema estrutural ainda sem solução sistêmica.

Entre a logística e o crime cibernético

O roubo de carga, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, está deixando de ser uma questão apenas policial. Trata-se agora de um problema de governança corporativa e gestão de risco.

A integração digital entre embarcadores, transportadoras, corretores e plataformas logísticas — essencial para a eficiência do setor — precisa ser acompanhada de protocolos de verificação de identidade, autenticação multifator e monitoramento de dados sensíveis.

Enquanto o Departamento de Transportes americano abriu consulta pública sobre novas medidas de segurança, especialistas alertam que as soluções passam por colaboração multissetorial: tecnologia, legislação, capacitação de motoristas e políticas de segurança pública voltadas especificamente à cadeia de suprimentos.

O crime invisível que encarece o mundo

No final, tanto nos EUA quanto no Brasil, o roubo de carga é um crime invisível que o consumidor paga sem perceber. Cada celular, par de tênis, alimento ou litro de combustível que chega ao mercado carrega em seu preço um seguro embutido contra o risco logístico.

A perda de US$ 18 milhões por dia nas estradas americanas, somada aos bilhões desviados no Brasil, mostra que a segurança logística é hoje um dos maiores desafios econômicos da era do transporte digital.

Enquanto o setor celebra avanços em automação, inteligência artificial e sustentabilidade, a criminalidade se reinventa com a mesma velocidade. E o “horário nobre” para o roubo de carga, em qualquer fuso horário, continua sendo o momento em que a segurança é negligenciada.

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Marcos Villela Hochreiter
Marcos Villela Hochreiterhttps://www.frotanews.com.br
Atuo como jornalista no setor da mobilidade desde 1989 em diversas redações. Também nas áreas de comunicação da Fiat e da TV Globo, e depois como editor da revista Transporte Mundial por 22 anos, e diretor de redação de núcleo da Motor Press Brasil. Desde 2018, represento o Brasil no grupo do International Truck of the Year (IToY), associação de jornalistas de transporte rodoviário de 34 países. Desde 2021, também atuo como colaborador na Fabet (Fundação Adolpho Bósio de Educação no Transporte, entidade educacional sem fins lucrativos). Em 2023, fundei a plataforma de notícias de transporte e logística Frota News, com objetivo de focar nos temas que desafiam as soluções para gestão de frotas.
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