Um novo relatório do American Transportation Research Institute (ATRI) revelou este ano que o roubo de cargas nos Estados Unidos movimenta um prejuízo anual de US$ 6,6 bilhões (equivalente a cerca de R$ 36 bilhões). O dado desmonta o mito de que o problema é exclusivo de países emergentes: nas estradas brasileiras, onde o tema costuma ganhar as manchetes, as perdas somam cerca de R$ 1,2 bilhão por ano, segundo a Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística). A diferença é que, enquanto o Brasil enfrenta o desafio com foco em violência e segurança pública, os EUA encaram um cenário de fraudes logísticas cada vez mais sofisticadas, que vêm transformando o roubo de carga em um negócio global.
O relatório, intitulado “The Fight Against Cargo Theft”, analisou centenas de casos reportados por transportadoras, operadores logísticos e corretores. O diagnóstico é contundente: roubar carga se tornou um “custo padrão de operação”, nas palavras de Ben Banks, presidente da TCW, transportadora intermodal sediada no Tennessee. A pesquisa combina dados da ATRI com registros da CargoNet, principal banco de dados de incidentes de roubo de carga na América do Norte.
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Os números da ATRI mostram uma escalada vertiginosa. Apenas em 2023, as transportadoras pesquisadas relataram 555 incidentes, com perdas de US$ 16 milhões — uma média de US$ 29 mil por ocorrência. Já os provedores de serviços logísticos (LSPs), como 3PLs e corretores, registraram perdas de US$ 33 milhões no mesmo período, com média próxima de US$ 100 mil por roubo.
Mas as estatísticas oficiais ainda são parciais. A CargoNet contabilizou 2.852 casos em 2023, que somaram US$ 332 milhões em cargas roubadas — o triplo da amostra da ATRI. No entanto, há consenso entre especialistas de que grande parte dos roubos não é reportada, por medo de aumento nos prêmios de seguro ou receio de exposição pública.
Mais grave ainda: 74% das cargas roubadas nunca são recuperadas, e apenas 2% retornam integralmente às mãos dos donos. A impunidade, portanto, alimenta o ciclo do crime.
O levantamento também mostra o perfil do “horário nobre” para os roubos. Os ataques ocorrem, em sua maioria, à noite e nos fins de semana, quando o tráfego é menor e há menos vigilância. Terminais de transportadoras e estacionamentos de caminhões são os pontos mais vulneráveis, seguidos de áreas de descanso e pátios de embarque de clientes.
Do furto simples à fraude digital
O estudo da ATRI diferencia três tipos de roubo. O primeiro é o furto parcial (pilferage), quando criminosos retiram parte da carga de um semirreboque. O segundo, mais direto, é o roubo completo do caminhão ou do contêiner. Mas o tipo que mais preocupa as empresas atualmente é o roubo estratégico, uma forma sofisticada de fraude que mistura engenharia social, falsificação de identidade e uso de plataformas digitais de corretagem de frete.
Nesse formato, criminosos se passam por transportadoras legítimas, assumem embarques via plataformas on-line, redirecionam cargas para armazéns falsos e desaparecem. O episódio mais emblemático foi o roubo de duas carretas com tequila da marca Santo, pertencente ao chef Guy Fieri e ao músico Sammy Hagar — um golpe de mais de US$ 1 milhão, em novembro de 2024, viabilizado por um esquema de double brokering (corretagem dupla).
A digitalização, que trouxe eficiência e transparência às cadeias logísticas, acabou criando novas brechas de vulnerabilidade. Dados de embarque, rotas e horários de coleta estão disponíveis em sistemas que podem ser acessados por hackers ou falsos prestadores. O roubo, antes dependente da força física, agora depende da inteligência cibernética.
Custos que se multiplicam
O relatório alerta que as perdas diretas são apenas a ponta do iceberg. O impacto real, considerando custos indiretos — paralisação de operações, aumento de seguros, substituição de produtos, danos à reputação e perda de contratos — pode ser de três a seis vezes maior que o valor da carga roubada.
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Com isso, os US$ 6,6 bilhões estimados pela ATRI podem representar mais de US$ 20 bilhões em prejuízos totais para a economia americana. Na prática, parte dessa conta é repassada ao consumidor final, refletida no preço de alimentos, eletrônicos, roupas e combustíveis.
Paralelos com o Brasil
Embora em dimensões diferentes, o Brasil vive dinâmica semelhante. De acordo com dados da NTC&Logística e da Secretaria Nacional de Segurança Pública, o país registrou quase 13 mil roubos de carga em 2024, com prejuízo superior a R$ 1,3 bilhão.
A concentração também segue o padrão norte-americano: São Paulo e Rio de Janeiro respondem por mais da metade dos casos. Mas enquanto nos EUA o crime tem migrado para golpes digitais e fraudes contratuais, no Brasil predominam os ataques físicos, frequentemente com violência armada e quadrilhas organizadas ligadas ao crime urbano.
Outro ponto de diferença é a infraestrutura de resposta institucional. Nos EUA, a CargoNet atua como banco nacional de dados, integrando transportadoras, seguradoras e polícia. Já no Brasil, os registros ainda são dispersos entre órgãos estaduais, e o compartilhamento de informação entre transportadores e autoridades é limitado.
Ainda assim, há avanços recentes: o uso de tecnologia embarcada, rastreamento em tempo real e inteligência preditiva tem reduzido incidentes em corredores críticos como Anhanguera-Bandeirantes e BR-116.
Em ambos os países, o elo mais fraco é o mesmo: a vulnerabilidade durante as paradas. A ausência de pontos seguros para descanso e estacionamento de caminhões cria oportunidades para o crime — um problema estrutural ainda sem solução sistêmica.
Entre a logística e o crime cibernético
O roubo de carga, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, está deixando de ser uma questão apenas policial. Trata-se agora de um problema de governança corporativa e gestão de risco.
A integração digital entre embarcadores, transportadoras, corretores e plataformas logísticas — essencial para a eficiência do setor — precisa ser acompanhada de protocolos de verificação de identidade, autenticação multifator e monitoramento de dados sensíveis.
Enquanto o Departamento de Transportes americano abriu consulta pública sobre novas medidas de segurança, especialistas alertam que as soluções passam por colaboração multissetorial: tecnologia, legislação, capacitação de motoristas e políticas de segurança pública voltadas especificamente à cadeia de suprimentos.
O crime invisível que encarece o mundo
No final, tanto nos EUA quanto no Brasil, o roubo de carga é um crime invisível que o consumidor paga sem perceber. Cada celular, par de tênis, alimento ou litro de combustível que chega ao mercado carrega em seu preço um seguro embutido contra o risco logístico.
A perda de US$ 18 milhões por dia nas estradas americanas, somada aos bilhões desviados no Brasil, mostra que a segurança logística é hoje um dos maiores desafios econômicos da era do transporte digital.
Enquanto o setor celebra avanços em automação, inteligência artificial e sustentabilidade, a criminalidade se reinventa com a mesma velocidade. E o “horário nobre” para o roubo de carga, em qualquer fuso horário, continua sendo o momento em que a segurança é negligenciada.


