Boom logístico impulsionado pela agropecuária expõe gargalos de infraestrutura e questiona a sustentabilidade do crescimento
O transporte de cargas vive um momento de aceleração histórica no Brasil. Segundo a Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) divulgada pelo IBGE em 14 de outubro, o volume de serviços de transporte de cargas no país está 38,7% acima do patamar de fevereiro de 2020, o último mês antes do início da pandemia.
Em agosto de 2025, a atividade cresceu 0,6% em relação a julho, marcando o quarto resultado positivo consecutivo e um ganho acumulado de 2,4% no período. Apesar do avanço expressivo, o nível ainda está 4% abaixo do recorde histórico alcançado em julho de 2023 — um lembrete de que o setor, embora em expansão, ainda opera em meio a volatilidades.
Para o gerente da pesquisa, Rodrigo Lobo, o bom desempenho da agropecuária tem sido o principal motor dessa alta. “Há aumento tanto no transporte de insumos — como fertilizantes e defensivos — quanto no escoamento da produção. O campo continua puxando a demanda logística em 2025”, afirma.
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A força do agronegócio explica boa parte da escalada no volume de cargas. A colheita recorde de grãos, o crescimento das exportações e a antecipação de entregas de insumos impulsionaram o movimento nas estradas, ferrovias e portos.
Os números do IBGE mostram que o transporte rodoviário continua sendo o principal vetor da expansão, como ocorre nas 20 maiores economias do mundo. No entanto, o transporte ferroviário e o dutoviário — este último impulsionado pela alta na produção de petróleo e gás — também contribuíram positivamente.
No agregado, o setor de transportes vem sustentando a alta do volume de serviços no país, que cresceu 0,1% em agosto, no sétimo mês consecutivo de resultados positivos.
Expansão desigual pelo território
O avanço do transporte de cargas, porém, não é uniforme. Estados com forte presença agrícola e boa infraestrutura logística concentram os maiores ganhos.
No Centro-Oeste, Mato Grosso e Goiás registram níveis de movimentação recordes. No Sudeste, São Paulo e Minas Gerais seguem como eixos estratégicos para o transporte rodoviário e ferroviário, sustentando o fluxo de insumos e produtos industrializados. Já no Sul, a combinação de produção agroindustrial e exportações via portos mantém o ritmo elevado. No entanto, o crescimento escancara desigualdades: estados com infraestrutura precária e menor integração modal ainda enfrentam dificuldades para aproveitar o bom momento.
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Infraestrutura sob pressão
A explosão no volume de cargas reacende um debate antigo: o Brasil tem infraestrutura para sustentar esse ritmo?
Grande parte do transporte de cargas ainda depende das rodovias por razões óbvias, pois as rodovias dão acessos à todos 5.569 municípios e fazendas. O problema é que, segundo a Pesquisa CNT de Rodovias 2025, 26,6% das rodovias brasileiras estão em condições ruins ou péssimas, enquanto 40,4% foram classificadas como regulares e apenas 33% como boas ou ótimas. Esses dados refletem a qualidade do pavimento, sinalização e geometria das vias avaliadas em mais de 114 mil km de rodovias pavimentadas.
O aumento de fluxo em estradas mal conservadas resulta em desgaste de veículos, acidentes e custos adicionais de manutenção, itens que compoem a planilha chamada “Custo Brasil”.
Os 14 bilhões investimentos em ferrovias em 2024 ajudam a resolver parte do problema do setor de commodities, principalmente para exportações. Mais 94,2 bilhões estão previstos para serem investidos pelo Novo PAC até o final de 2026, caso esses recursos sejam concretizados e não sejam uma promessa.
Em uma perspectiva de crescimento da falta de motoristas de caminhões, esses profissionais que atendem a transferência de grandes volumes de cargas de baixo valor agregado seriam liberados para atender outras demandas de transporte com cargas de maior valor agregado e distribuição entre os municípios brasileiros.
Além disso, os portos — fundamentais para o escoamento da produção agrícola — operam próximos ao limite de capacidade em períodos de pico. Filas de caminhões, atrasos e falta de pátios adequados são sintomas de um sistema que cresce mais rápido que os investimentos públicos e privados em logística.
Cargas em alta, desafios à vista
Por trás dos bons números, há sinais de alerta. A alta de 38,7% sobre o nível pré-pandemia é expressiva, mas parte desse ganho reflete uma base de comparação deprimida — o transporte de cargas foi um dos setores mais impactados nos primeiros meses da crise sanitária.
Outro fator de risco é a dependência de um único motor de crescimento: o agronegócio. Uma eventual quebra de safra ou queda nas exportações poderia reverter o ciclo positivo.
Para analistas, o desafio agora é transformar o momento de bonança em ganho estrutural. Isso exige investimentos contínuos em infraestrutura multimodal, ampliação da malha ferroviária, modernização de portos e digitalização de processos logísticos.
Também é essencial diversificar a base de demanda, estimulando setores industriais e de comércio.
“O transporte de cargas é um termômetro da economia. O nível atual mostra que o país voltou a se mover, mas a qualidade dessa movimentação depende de planejamento de longo prazo”, resume Rodrigo Lobo, do IBGE.
O que vem pela frente
Com a economia brasileira crescendo de forma moderada e a inflação sob controle, o setor de transportes deve continuar positivo nos próximos meses, mas em ritmo mais contido.
A grande questão, segundo especialistas, é saber se a infraestrutura e o planejamento público estarão à altura do novo patamar logístico alcançado pelo país.
Enquanto caminhões seguem cruzando as estradas do interior e os portos operam em plena carga, o Brasil vive um momento paradoxal: celebra o dinamismo do transporte de cargas — mas enfrenta, ao mesmo tempo, os limites físicos e estruturais de sua própria capacidade de mover-se.


