Parceria entre a Unidade Embrapii Powertrain da USP e a startup EcoSave, da Alpha 6, demonstra na prática a viabilidade técnica e econômica do retrofit elétrico com tecnologia 100% nacional
A eletrificação do transporte comercial leve no Brasil começa a ganhar contornos mais concretos a partir de um projeto desenvolvido pela Unidade Embrapii Powertrain da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Alpha 6, por meio de sua startup EcoSave. A iniciativa comprova que o retrofit elétrico — conversão de veículos a combustão em modelos 100% elétricos — pode ser uma alternativa viável, sustentável e economicamente competitiva para a renovação da frota urbana.
A van Renault Master convertida é um modelo 2015, fabricado em 2014, e com cotação de R$ 111.082 pela Tabela Fipe, que passa a ganhar uma sobrevida após ganhar novo trem de força elétrico. Um modelo similar zero quilômetro custa entre R$ 488.860 (Mercedes-Benz eSprinter) e R$ 569.900 (Ford E-Transit).
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O kit de conversão desenvolvido pela parceria abrange todos os componentes necessários para substituir o motor a combustão por um sistema de tração elétrica, mantendo a estrutura e periféricos originais do veículo. A conversão com o kit reduz os custos de aquisição de um modelo zero novo elétrico em cerca de 30% a 40%, além de ampliar a vida útil da frota já existente de maneira sustentável e financeiramente viável.
“Foi o primeiro projeto nosso, da nossa Unidade Embrapii, com eletrificação de veículos. Acho que a gente aprendeu muito”, avalia Bruno Angélico, pesquisador da Unidade Embrapii Powertrain USP.
Da simulação virtual ao veículo real
A primeira fase do projeto foi dedicada a um estudo aprofundado de viabilidade técnica. A equipe da USP mapeou percursos reais da Renault Master na zona sul de São Paulo (SP), criando um ambiente virtual que permitiu simular o uso do veículo em condições reais de operação. A partir desse levantamento, foram especificados os principais componentes do sistema elétrico, como motor, inversor e pack de baterias, dimensionados para atender às demandas da logística urbana.
Na segunda etapa, o foco se voltou ao desenvolvimento e à validação da lógica de controle do powertrain, considerada o “cérebro” do sistema elétrico. O objetivo foi garantir que a experiência de condução permanecesse próxima à de um veículo a combustão, facilitando a adaptação dos motoristas.
“Quando a gente fala em lógica de controle, estamos falando de como o sistema responde ao acelerador, qual torque é entregue às rodas e como essa resposta acontece. Buscamos deixar essa sensação o mais próxima possível da de um motor a combustão, porque quem vai dirigir essa van é o mesmo funcionário”, explica Angélico.
Os testes dos componentes — incluindo motor e inversor fornecidos pela WEG — foram realizados em bancadas do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, um dos poucos laboratórios do país homologados para ensaios com máquinas elétricas.
Por que a Renault Master?
A escolha da Renault Master como base para o retrofit foi estratégica. Segundo Leandro Zillig, diretor da Alpha 6, trata-se do modelo mais representativo do segmento no país.
Vale acrescentar também que a Renault Master é de menor valor no mercado, aumentando a diferença entre o retrofit e aquisição das opções atuais de vans elétricas no mercado brasileiro, todas importadas e com muitas tecnologias de conectividade e segurança, como ADAS e outras.
Pressões regulatórias
O projeto se insere no contexto das metas ambientais assumidas pelo Brasil e das exigências locais de eletrificação. Em São Paulo, a Lei Municipal nº 16.802 determina que 50% das frotas estejam eletrificadas até 2028. Embora prazos semelhantes tenham sido frequentemente postergados — tanto no Brasil quanto em países como Estados Unidos e, mais recentemente, na Europa — iniciativas como o retrofit oferecem às empresas de transporte e logística uma alternativa viável para cumprir compromissos ligados à Agenda ESG.
Nesse cenário, a adaptação de veículos a combustão para sistemas elétricos desponta como solução pragmática e de transição, capaz de acelerar o processo de descarbonização da mobilidade urbana.
Testes de rua e próximos passos
O protótipo da van elétrica já está concluído e entra agora na fase mais decisiva: os testes em condições reais de operação. A previsão é que o veículo rode cerca de 5 mil quilômetros, permitindo avaliar a robustez do sistema e o comportamento em uso contínuo.
Os resultados preliminares já superam as expectativas iniciais. A autonomia, projetada em cerca de 200 quilômetros, alcançou aproximadamente 250 quilômetros, impulsionada pela eficiência do sistema de regeneração de energia. O desempenho atende com folga perfis típicos de uso urbano, como transporte escolar e entregas, que costumam rodar em torno de 120 quilômetros por dia.
Um caminho nacional para a eletromobilidade
A conclusão bem-sucedida do projeto da Unidade Embrapii Powertrain da USP com a EcoSave e a Alpha 6 reforça a capacidade técnica da engenharia brasileira em desenvolver soluções avançadas de eletromobilidade. Mais do que um protótipo, o retrofit da Renault Master aponta para um modelo de negócio escalável, alinhado à sustentabilidade, à realidade econômica das frotas e às exigências regulatórias.
Em um país com frota envelhecida e desafios de financiamento, a eletrificação do que já está rodando pode se tornar um dos caminhos mais rápidos e eficientes para reduzir emissões e modernizar o transporte leve no Brasil.
Sobre a Embrapii
A Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) é uma organização social que atua em cooperação com Instituições de Ciência e Tecnologia, públicas ou privadas, para fomentar a inovação na indústria brasileira. O modelo conecta centros de pesquisa e empresas, compartilhando os custos da inovação por meio de recursos não reembolsáveis, com foco na introdução de novos produtos e processos no mercado.
A Embrapii possui contrato de gestão com o Governo Federal, por meio dos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação; da Educação; da Saúde; e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, além de parcerias com o Sebrae e o BNDES.


