A transição energética do transporte público urbano no Brasil começa a ganhar tração. Em 2024, o governo federal anunciou a destinação de recursos do Novo PAC para financiar a aquisição de 2.296 ônibus elétricos em diversas cidades do país, marcando um novo capítulo na agenda de descarbonização da mobilidade. Esse volume já representa mais do que o total de ônibus elétricos em operaçãos atualmente em território nacional.
São Paulo lidera esse movimento, com metas ambiciosas: a capital pretende substituir mais de 8 mil ônibus movidos a diesel por modelos elétricos até 2030. Outras cidades, como Salvador, Curitiba, Niterói, Campinas, São José dos Campos, Goiânia e Rio de Janeiro, também já deram passos concretos rumo à eletrificação, embora enfrentam desafios distintos de infraestrutura, financiamento e planejamento.
A rede internacional C40 Cities, que conecta mais de 100 grandes cidades comprometidas com ações climáticas, tem atuado diretamente nesse processo. A organização, que reúne prefeitos e especialistas em políticas públicas sustentáveis, apoia tecnicamente os municípios na estruturação de projetos e na troca de experiências para acelerar a transição para veículos de emissão zero. No Brasil, a C40 participa da Aliança ZEBRA (Zero Emission Bus Rapid-deployment Accelerator), iniciativa criada em parceria com o ICCT (Conselho Internacional de Transporte Limpo).
Para entender o panorama atual da eletrificação da frota de ônibus no Brasil, os gargalos enfrentados e os aprendizados de São Paulo que podem ser aplicados em outras cidades, a Frota News conversou com Thomas Maltese, executivo da C40 Cities para a América Latina. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Frota News — Qual é o papel da C40 Cities na questão da mobilidade urbana e da eletrificação das frotas?

Thomas Maltese — A C40 é uma rede de prefeitos que, com nosso apoio, enfrentam a urgência da crise climática. Já temos 20 anos de atuação e, há mais de uma década, trabalhamos com cidades latino-americanas no processo de descarbonização do transporte, especialmente dos ônibus. Em 2019, lançamos a Aliança ZEBRA, em parceria com o ICCT, focada no apoio técnico para fomentar políticas públicas de transporte limpo, com destaque para São Paulo.
Quantas cidades brasileiras já aderiram à eletrificação dos ônibus?
Hoje temos mais de 25 cidades no Brasil com ônibus elétricos em circulação. E esse número tende a crescer bastante nos próximos anos.
É possível projetar quantos ônibus elétricos estarão em operação até 2030?
Temos um estudo com projeções. São Paulo, por exemplo, tem a meta de adquirir mais de 8 mil ônibus elétricos até 2030. Outras cidades, como São José dos Campos, Campinas, Curitiba, Rio de Janeiro, Niterói, Salvador e Goiânia somam mais de 3 mil. A primeira fase do Novo PAC já contempla o financiamento de 2.296 ônibus elétricos em todo o país.

O modelo de financiamento de São Paulo, com dois terços pagos pela prefeitura e um terço pelo operador, é replicável em outras cidades?
O modelo paulista é eficaz, mas não necessariamente replicável em todas as cidades. Cada município tem uma estrutura contratual diferente com seus operadores e distintas capacidades de acesso a recursos públicos. São Paulo tem mais facilidade para alavancar recursos junto a BNDES, Caixa e outros.
São Paulo enfrenta um gargalo na infraestrutura de energia. Qual é a real capacidade de abastecimento hoje?
Não temos uma “bola de cristal” sobre isso, mas o que podemos afirmar é que São Paulo já tem a terceira maior frota de ônibus elétricos da América Latina, e continua crescendo. Apesar dos gargalos, a cidade manda um sinal claro para o mercado. Outras cidades podem ter experiências diferentes — e até mais simples — pela menor escala de frota.
A indústria está preparada para atender à crescente demanda por ônibus elétricos?
Sim. O gargalo hoje pode estar em atender várias demandas simultâneas, de muitas cidades, com diferentes cronogramas. Mas a indústria sabe dessa demanda há anos e tem se preparado. Há investimento em produção, e devemos chegar a 7 ou 9 fabricantes atuando no mercado nacional, inclusive com importados.

E quanto ao financiamento? Ainda é um entrave?
Hoje, o financiamento é menos problemático do que no passado. A participação do governo federal, com recursos do Novo PAC, mostra que há uma aposta real. Além disso, há capital privado disponível, desde que os projetos estejam bem estruturados.
A capacidade das cidades em obter crédito pode limitar o avanço da eletrificação?
Essa é uma preocupação válida. Mas vale lembrar que nem sempre é a prefeitura que assume o financiamento — em muitos casos, o operador é quem acessa o crédito. São Paulo tem mais facilidade, mas outras cidades precisam trabalhar suas estruturas e projetos para se tornarem elegíveis.
O que cidades como Salvador e Belo Horizonte podem aprender com São Paulo?
O principal aprendizado é a importância do planejamento estratégico, do engajamento com os operadores e com a distribuidora de energia desde o início. São Paulo enfrenta desafios por conta da escala, mas envolveu todos os atores na estruturação dos projetos, e isso é essencial.

Como a C40 vê o uso de biometano como parte da transição energética?
Nosso foco é em tecnologias de emissão zero. O biometano não é considerado zero emissões e, por isso, não está entre as alternativas que fomentamos. A tecnologia dos ônibus elétricos já se mostrou viável ambiental, técnica e financeiramente.
O último evento LatAm Mobility trouxe novidades para a C40?
O discurso evoluiu muito. Antes discutimos se deveríamos eletrificar as frotas. Agora a pergunta é apenas “como?”. Esse é o maior avanço: não é mais necessário convencer ninguém sobre os benefícios dos ônibus elétricos — a diferença está clara para quem já usou.
Mais dados sobre a frota de ônibus pode ser consultada no E-Bus Radar.


