Em uma visita à Suécia para conhecer tecnologias para transporte público da Volvo, ouvi de um executivo a seguinte frase:
“Para o cidadão escolher o transporte público, ele precisa oferecer qualidade e conforto semelhantes aos do transporte individual.”
Essa lógica funciona bem em países nórdicos — mas, no Brasil, ela beira a utopia no momento. Com raras exceções, como a região da Av. Paulista, em São Paulo, o transporte público no país ainda deixa a desejar. Em muitas cidades, ele perde inclusive na relação custo-benefício. No entanto, esse cenário pode mudar com novas tecnologias para melhorar qualidade e eficiência.
Ônibus ainda é o principal meio de transporte do trabalhador brasileiro
Apesar das queixas recorrentes sobre perda de passageiros para carros, motos e apps, o ônibus continua sendo o principal meio de transporte diário no Brasil.
Segundo pesquisa nacional da Ticket, em parceria com a Rede Brasileira de Pesquisa (RB), que ouviu cerca de 4 mil pessoas em todo o país:
- 35% utilizam o ônibus como principal meio de locomoção;
- 30% usam o carro particular;
- 11% optam pela motocicleta;
- 8% utilizam metrô ou trem;
- 4% preferem aplicativos de transporte;
- 3% vão de bicicleta;
- 9% escolhem outros meios.
Apesar da perda de 30% da demanda desde 2014, segundo a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), o ônibus permanece como base da mobilidade urbana, sobretudo entre a população de menor renda.
A diferença que um chassi faz
O tipo de chassi utilizado impacta diretamente o conforto da viagem. Em São Paulo, ônibus com ar-condicionado, motor traseiro, câmbio automático, freios a disco e suspensão a ar, como o Mercedes-Benz O500, atendem a periferia. Em outras capitais, como Belo Horizonte, predominam modelos mais simples, com motor dianteiro, freio a tambor, suspensão metálica e câmbio manual. Isso na frota atual
Brasil desenvolve ônibus elétrico com índice crescente de nacionalização
Recentemente, chassis com motor dianteiro passaram a incorporar suspensão pneumática, elevando um pouco o padrão. Fabricantes afirmam que oferecem os veículos conforme a demanda e o orçamento dos operadores.
- A Mercedes-Benz mantém desde o modelo de entrada OF 1619 até o sofisticado O500.
- A Volkswagen Caminhões e Ônibus também atua com opções de entrada na categoria padrão Volksbus 15.210 até 18.320 com motor traseiro.
- A Volvo, que relutava em lançar um chassi com motor dianteiro, produziu o B270F entre 2011 e 2022, mas o substituiu pelo B320R, mais moderno e completo.
- A Scania retirou de linha os modelos F250, F270 e F360, por alinhamento global. Atualmente, aposta em parcerias com a Eletra e em ônibus a gás.

Embora o motor dianteiro seja necessário em locais com topografia acentuada, como certas áreas de Belo Horizonte, isso deveria ser exceção — não regra.
Mercado em expansão: vendas de ônibus crescem 32,4%
O setor de ônibus registrou crescimento expressivo de 32,4% no acumulado até abril de 2025, em relação ao mesmo período de 2024, segundo dados do Denatran.
Ranking de fabricantes (jan-abr/2025):
| Fabricante | Unidades vendidas | Participação (%) |
|---|---|---|
| Mercedes-Benz | 3.389 | 43,8% |
| Volkswagen Caminhões e Ônibus | 1.966 | 25,4% |
| Agrale | 1.123 | 14,5% |
| Iveco | 775 | 10,0% |
| Volvo | 199 | 2,6% |
| Scania | 166 | 2,1% |
| Outras (incluindo BYD e importadas) | 111 | 1,4% |
| Total | 7.729 | 100% |
A Iveco foi o destaque, com alta de 252,3%, impulsionada por sua presença no segmento de entrada e intermunicipal. Já a BYD, com apenas 4 unidades em 2024, saltou para 111 neste ano — um avanço de 2.675%, indicando maior diversidade no mercado.

O dilema do cobertor curto
A qualidade do transporte público está diretamente ligada aos recursos disponíveis. Se há orçamento, compram-se veículos modernos. Caso contrário, opta-se pelos modelos básicos.
“O uso do ônibus no Brasil está diretamente ligado à condição socioeconômica das pessoas. Para muitos, é a única opção diante do alto custo de manter um veículo próprio”, afirma Clarisse Linke, diretora do ITDP Brasil.
Diferenças de gênero e região
A pesquisa também identificou disparidades entre homens e mulheres:
- Homens: ônibus (32%) e carro particular (32%) empatados, com a motocicleta em terceiro (14%).
- Mulheres: ônibus (39%) lidera, seguido por carro particular (28%) e trilhos (10%).
Além da renda, a segurança pesa mais para as mulheres.
“Mulheres priorizam opções com menor exposição a riscos, mesmo com falhas estruturais”, explica a socióloga Mariana de Souza, especialista em mobilidade e gênero.
Trilhos: exceção, não regra
O transporte sobre trilhos ainda é limitado no Brasil. Dos R$ 1 trilhão movimentados pelas dez maiores commodities exportadas em 2024, pouco ou nada foi investido em transporte de passageiros sobre o trilho. A exceção é o trem da Vale, entre BH e Vitória, que parece mais marketing do que política pública.
Das 27 capitais, apenas 12 têm algum tipo de transporte sobre trilhos — e nenhuma com qualidade próxima à de São Paulo. Obras seguem paralisadas ou lentas em Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre.
Em São Paulo, as linhas 4-Amarela e 5-Lilás, concedidas à iniciativa privada, são referência em conforto e pontualidade. Já as linhas 1-Azul e 3-Vermelha enfrentam superlotação diária.
Fretamento: a saída do setor privado
Empresas privadas preferem fretar ônibus a depender do transporte público. Segundo a ANTT, o Brasil possui cerca de 9 mil empresas de fretamento, que atendem demandas de turismo e, principalmente, de transporte corporativo.
Os veículos usados no fretamento são, em geral, modelos rodoviários de entrada, com mais conforto do que os urbanos.
Tarifas em alta e mais insatisfação
Em 2025, várias capitais reajustaram tarifas. Florianópolis passou a ter a passagem mais cara do país. O custo elevado torna aplicativos como Uber mais competitivos para pequenos grupos.
“O usuário paga caro, enfrenta atrasos, superlotação e tem pouca segurança. Isso alimenta um ciclo vicioso de migração para o transporte individual”, avalia Rafael Calabria, do Idec.
Alternativas ganham espaço
Apesar do domínio do ônibus, crescem os usos de bicicletas (3%) e aplicativos (4%). Cidades como Recife, Fortaleza e São Paulo investem em ciclovias, enquanto apps atraem jovens e moradores de grandes centros urbanos.

O que está em jogo
O transporte público vive um impasse: enquanto é o principal meio de locomoção da população trabalhadora, enfrenta subfinanciamento, má gestão e falta de inovação.

Avanços como bilhete único, corredores exclusivos e integração modal ainda são insuficientes para reverter a perda de usuários.
Mas há perspectivas positivas: a renovação da frota com modelos Euro 6, menos poluentes, e o avanço dos ônibus elétricos, que garantem mais conforto e sustentabilidade.
“Além de zerar as emissões, os ônibus elétricos reduzem ruído e vibração. Muitos usuários preferem esperar por um elétrico para viajar com mais conforto”, afirma Marcel Martin, diretor do ICCT Brasil.


