Lançado como um marco de modernização das rodovias brasileiras, o sistema de pedágio eletrônico sem cancela — conhecido como Free Flow — tem enfrentado um dilema entre a promessa de fluidez e justiça tarifária, e a realidade de falhas operacionais, desinformação e crescente insatisfação dos usuários. O modelo, que substitui praças de pedágio por pórticos automáticos que identificam e cobram os veículos de acordo com o trecho percorrido, está no centro de um debate que vai além da tecnologia: trata-se da falta de credibilidade e confiança.
Apesar de ser considerado um avanço regulatório, o Free Flow vem acumulando reclamações de motoristas, consumidores e até questionamentos judiciais. Segundo relatos de usuários, muitos descobrem ter sido multados semanas após trafegar por rodovias com pórticos, sem sequer saber que passaram por um sistema de pedágio — ou mesmo como deveriam proceder para o pagamento.
“Recebi uma multa sem nunca ter sido notificado ou saber que era necessário pagar algo. Nenhum aviso, nenhuma informação clara”, escreveu um usuário no site Reclame Aqui, um dos canais mais utilizados para registrar queixas sobre o sistema.
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Entre as principais reclamações estão a falta de sinalização visível nas vias, ausência de notificações após a passagem, falhas nos sites e aplicativos de pagamento, além de multas por evasão de pedágio, mesmo quando o motorista não encontrou débitos ou tentou pagar dentro do prazo. Em alguns casos, usuários relatam até cobranças duplicadas por um mesmo trecho percorrido.
Esse cenário tem gerado reações também por parte de órgãos públicos. A Justiça chegou a suspender cerca de 32 mil multas emitidas indevidamente no trecho Rio–Santos. O Procon-RJ, por sua vez, notificou concessionárias a prestar esclarecimentos sobre os problemas enfrentados por consumidores.
Diante dessas críticas, crescem pressões por uma espécie de “fase educativa” no início da operação, com isenção temporária de multas. Mas para o advogado Fernando Vernalha, por meio de comunicado enviado para a imprensa, esse tipo de flexibilização pode minar o sistema antes mesmo de se consolidar. No entanto, o comunicado não apresenta solução para as reclamações dos usuários.
“O sucesso do Free Flow depende da existência de mecanismos de enforcement que assegurem o pagamento das tarifas. Flexibilizar a cobrança de multas pelo não pagamento é algo que poderá descredibilizar o sistema”, alerta. E como resolver o problema da falta de informação para os usuários?
Vernalha reforça que o modelo foi concebido com base na justiça tarifária — cobrando de acordo com o uso efetivo da rodovia — e que a transição para esse modelo já prevê sinalização, múltiplos meios de pagamento (como tags, apps e sites) e prazo estendido de até 30 dias para quitação da tarifa. Para ele, adiar a aplicação de sanções ou permitir o não pagamento compromete não apenas a arrecadação das concessionárias, mas a confiança institucional.
Rodovia Presidente Dutra
A Frota News percorreu o trecho entre São Paulo e Arujá pela Rodovia Presidente Dutra e não encontrou nenhuma informação sobre o funcionamento do Free Flow. Além disso, neste trecho, ainda há uma praça de pedágio e muitos pórticos de cobrança automática de pedágio. Então, não é verdade que há informação suficiente e transparência sobre o funcionamento do novo sistema. Ele parece muito bom, por enquanto, na teoria. Na prática, há muita desinformação e passagem uma imagem de sistema arrecadatório e de injustiça.
A experiência internacional corrobora a preocupação, em parte: enquanto a África do Sul registrou fracasso na adoção do sistema por conta da tolerância excessiva, o Chile, que adotou políticas rígidas de cobrança desde o início, teve êxito. Sim, há países que investiram em educação. Não é caso do Brasil.
Enquanto novas regulamentações são esperadas e o modelo passa a ser incluído nos contratos mais recentes de concessão, a expectativa é que as falhas de comunicação e operação sejam rapidamente corrigidas para evitar um descrédito irreversível. O desafio é garantir que a inovação não se transforme em frustração — e que a justiça tarifária não seja ofuscada pela insegurança jurídica causado pelas próprias empresas que não investem em campanhas educativas.
“Para que o sistema atinja seu pleno potencial, será essencial um alinhamento entre planejamento regulatório, disciplina contratual e responsabilidade institucional”, conclui Vernalha.
Devemos acrescentar também que é necessário de um período de adaptação e maior esclarecimento à população.
As cinco principais queixas da população sobre o Free Flow
- Desconhecimento sobre o sistema — Falta de comunicação sobre como funciona o pedágio e como pagar.
- Falhas nos meios de pagamento — Sites e apps instáveis ou com sistema inoperante.
- Multas indevidas ou duplicadas — Casos de cobrança em duplicidade ou por erro de leitura.
- Ausência de notificação ao usuário — Falta de SMS, e-mail ou qualquer alerta imediato.
- Judicialização e notificações do Procon — Suspensão de milhares de multas e ações de defesa do consumidor.
Com um modelo promissor sob ameaça, o Free Flow no Brasil vive uma encruzilhada: ou se firma como um símbolo de eficiência e justiça no transporte rodoviário, ou será lembrado como mais uma tecnologia mal implantada por falta de planejamento e clareza com o cidadão.


