O transporte por ônibus, muitas vezes subestimado, revela dinâmicas de mobilidade e sustentabilidade completamente distintas ao ser analisado em cenários globais. A comparação entre o Brasil e a União Europeia expõe não apenas as diferenças em suas malhas de transporte, mas também as velocidades e os desafios da transição para uma era mais sustentável.
Enquanto na Europa o ônibus opera como uma engrenagem vital em um ecossistema multimodal, no Brasil ele é o próprio motor do sistema, seja no transporte urbano ou rodoviário.
A visão de que o ônibus é um modal secundário na Europa é desmistificada por dados divulgados pela ACEA (associação dos fabricantes de veículos europeia). Apesar de a frota representar apenas 0,3% de todos os veículos de passageiros, ela é responsável por quase 9% do tráfego total de passageiros por vias terrestres. Os dados mostram que o ônibus não é coadjuvante na Europa: ele conecta regiões onde nem mesmo o trem chega.
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O exemplo da Itália, cuja frota de ônibus responde por mais de 20% de todo o transporte rodoviário de passageiros da UE, ilustra a relevância do modal em países com forte apelo turístico e uma densa rede de cidades interconectadas.
No Brasil: O pilar da mobilidade
No Brasil, a realidade é outra: a dependência do transporte rodoviário é estrutural. Seja no movimento de trabalhadores nas metrópoles ou em viagens nacionais, o ônibus é o principal meio de locomoção para a maioria da população.
As ferrovias brasileiras, que vem recebendo investimentos, apenas para o escoamento das commodities para outros países, ligando os centros produtores de minério de ferro, grãos, celulose, açúcar, entre outras, aos portos, dificilmente vai ser um modal de transporte para passageiros.
Uma pesquisa de 2024, encomendada pelo Google à consultoria Offerwise e apresentada pela ClickBus, mostrou que 74% dos brasileiros utilizaram o modal ônibus em um ano, evidenciando seu papel como a espinha dorsal da mobilidade.
A corrida pela eletrificação e a renovaçāo da frota
O Brasil vive um momento de grande renovação das frotas de ônibus urbanos e rodoviários. A transição para veículos de zero emissão local é uma meta global, mas a velocidade e a forma como ela acontece na Europa e no Brasil são mundos à parte.
A Europa está na vanguarda da revolução elétrica no transporte público. O número de ônibus elétricos cresceu 4.600% entre 2015 e 2024, de 2.250 unidades para mais de 103.500 ônibus elétricos considerando todos os 27 países da UE, inclusive, o Reino Unido.
Segundo a Federação Europeia para o Transporte e Meio Ambiente (T&E), em 2024, quase metade (49%) de todos os novos ônibus urbanos vendidos na União Europeia eram modelos de zero emissão (principalmente elétricos a bateria). Só no ano passado, 7.779 novos ônibus elétricos entraram em operação.
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Esse avanço meteórico é o resultado direto de políticas públicas agressivas, subsídios governamentais e metas de descarbonização ambiciosas.
O Brasil e o paradoxo da frota: Idade, concentração e potencial
No Brasil, o paradoxo é evidente: há enorme potencial para eletrificação, mas falta infraestrutura. A frota brasileira, de cerca de 107 mil veículos, tem uma idade média de 7,1 anos (o maior índice em três décadas), refletindo a dificuldade de renovação.
O avanço da eletrificação é notável, mas altamente concentrado: a cidade de São Paulo é o motor dessa mudança, respondendo por 90% dos novos ônibus elétricos emplacados no país até 2025. Esse fenômeno é impulsionado por leis municipais que estabelecem metas de frota de zero emissão local, mas a falta de uma política nacional e a dificuldade de acesso a crédito travam a expansão em outras regiões. No entanto, outras cidades estão acompanhando as mudanças em São Paulo e estão seguindo o exemplo, cada uma no ritmo dela.
Segundo o portal E-Bus Radar, a frota de ônibus elétricos no Brasil, incluindo os trólebus, já chegou a 1.143 unidades e em ritmo de crescimento exponencial.

Desafios e o futuro
Tanto a Europa quanto o Brasil enfrentam desafios para o futuro do transporte por ônibus. Enquanto a UE se depara com a escassez de motoristas e a necessidade de mais infraestrutura de recarga, o Brasil luta contra a alta do preço do diesel, a falta de financiamento e a perda de passageiros, que começou antes da pandemia e se acentuou depois.
Em última análise, o ônibus continua sendo um pilar insubstituível da mobilidade. Na Europa, ele caminha para se consolidar como um modal altamente eficiente e zero emissão local em uma rede de transportes integrada. No Brasil, ele enfrenta o desafio de se modernizar e se tornar mais sustentável, enquanto continua a ser a principal forma de deslocamento para milhões de pessoas. O ritmo é diferente, mas o destino final é o mesmo: moldar o futuro do transporte em um mundo cada vez mais conectado e consciente.
Biometano
Como este artigo já ficou longo, não entramos no debate sobre as possibilidades do uso do biometano. Vamos escrever um novo artigo sobre isso.


