Artigo “Brasil negligencia os acidentes de carros provocados por distúrbios do sono” por Sidnei Canhedo*
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em parceria com o instituto global World Sleep Society, mostram que problemas relacionados ao sono se transformaram em um desafio global que ameaça a qualidade de vida de cerca de 45% da população. Outro recente estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Chicago relata que a baixa qualidade do sono, apneia obstrutiva e trabalho em turno são fatores que podem acarretar no desenvolvimento de diabetes tipo 2. O sono pode matar de diversas formas.
Além de estar associado ao risco de desenvolver doenças crônicas, quando há conexão entre ‘sono e voltante’, a tragédia se torna uma ameaça assustadora. De acordo um levantamento divulgado pela American Automobile Association for Traffic Safety, 21% dos acidentes fatais nos Estados Unidos são causados por sonolência. O mesmo estudo aponta que dirigir com sono por estar 24 horas sem dormir é o mesmo que estar alcoolizado com 0,1% BAC, sigla em inglês para ‘Conteúdo de Álcool no Sangue’. Este teor já está bem próximo de causar comprometimento físico, perda de julgamento, ter a visão turva, problemas com coordenação e equilíbrio e potencialmente, disforia.
A gravidade desse drama é quase inquestionável, tanto que na mesma pesquisa realizada entre americanos, 94.8% dos respondentes afirmam que conduzir com sono é muito ou extremamente perigoso. Mas essa consciência parece ter funcionado como pressão apenas para os legisladores nos estados de Arkansas e New Jersey, onde essa irresponsabilidade de motoristas se tornou crime, nos mesmos moldes de beber embriagado.
Quem saiu mesmo à frente foi a Europa, onde os parlamentares da União Europeia decidiram obrigar as montadoras a entregarem os novos veículos das fábricas com algum tipo de sistema de monitoramento de fadiga e sono instalados como padrão de medida de segurança. A nova lei começou a valer este ano de 2024 e faz parte do pacote de regulamentações do Euro NCAP (Programa Europeu de Segurança em Automóveis).
Por lá, segundo o bloco europeu, cerca de 50% de todos os acidentes nos 27 países que compõem o grupo, estão relacionados a fadiga ou distração. A medida que obriga o uso de tecnologias de monitoramento de sono, juntamente com outros avanços do Euro NCAP, deverá, de acordo com as expectativas das autoridades, salvar mais de 25 mil vidas e evitar mais de 140 mil ferimentos graves até 20238.
E no Brasil?
Segundo estudos da OMS o Brasil é o terceiro país com mais mortes no trânsito no planeta, tendo fechando 2022 com impressionantes 31.174 óbitos em suas ruas e estradas. Só fica atrás de Índia e China, com populações que ultrapassam 1.4 bilhão de habitantes, contra 203 milhões do Brasil. Há diversas facetas para esse drama, mas, certamente, a irresponsabilidade dos motoristas brasileiros é, notoriamente, um dos fatores principais para essa posição no ranking.
Na outra ponta da responsabilidade estão governos, legisladores e autoridades policiais. São incapazes de promoverem campanhas constantes e eficazes sobre a importância de não dirigir após ingestão de medicamentos ou em situação de fadiga ou sonolência. Não criam leis capazes de coibir a impunidade e nem de obrigar as montadoras a implantarem câmeras de detecção de fadiga como fez a Europa. Simplesmente não há esse debate no Brasil.
Há tecnologias de eficiência comprovada que podem emitir um alerta salvador ao motorista de que é hora de parar para descanso, caso esteja só, ou entregar o volante a um colega que esteja em condições seguras para guiar. Na Europa esse sistema passa a ser padrão assim como ocorreu com o airbag.
Em um ano eleitoral em que escolheremos os executivos e legisladores municipais, responsáveis por tornar a vida nas cidades mais justa e segura, é preciso incluir na pauta de debates sobre gestão de trânsito o sono como fator de risco importantíssimo. Assim como foi com o airbag e o cinto de segurança, não é necessário o convencimento da opinião pública. Bastam algumas ações efetivas, como estão fazendo os europeus. A tecnologia está disponível para prevenir acidentes, é preciso apenas de boa vontade política que tenha como prioridade a preservação de vidas.
*Sidnei Canhedo é mestre em Saúde Ambiental e gestor da Optalert, biotech australiana, líder mundial em tecnologia de controle de fadigas. scanhedo@optalert.com