Quando o motor dá seu último suspiro, muita gente acha que a história do veículo termina ali, na fila da reciclagem. Mas está enganado. O fim da vida útil de um automóvel, ônibus ou caminhão é, na verdade, o começo de um novo problema. E o Brasil, convenhamos, está batendo cabeça para resolver isso.
Sabe qual a taxa de reciclagem de veículos no país? Uns dizem 10%, mas a realidade está mais para 1,5% a 2%, segundo dados recentes. O resto vira peça clandestina, entulho em terreno baldio ou carcaça apodrecendo em pátio de órgão público. Enquanto isso, países como Japão, Alemanha e até a vizinha Argentina já ultrapassaram os 80% de reciclagem. No Brasil? Nem arrancando no tranco.
Abandono com CNPJ
Milhões de veículos fora de uso continuam se acumulando onde não deviam. São verdadeiros “cemitérios de lata”, que poluem o solo com óleos, baterias, fluidos e, claro, alimentam o comércio paralelo de peças — esse, sim, operando com eficiência de relojoeiro suíço.
A conta ambiental é pesada. Um único litro de óleo usado pode contaminar até 20 mil litros de água. E a conta econômica também dói: estima-se que mais de 95% das peças de um carro poderiam ser reaproveitadas — seja em oficinas, seja fundidas para nova matéria-prima. Mas falta tudo: política pública, incentivo, fiscalização e, principalmente, vontade de resolver.
O que funciona lá fora…
Enquanto aqui se discute quem deve tirar a tralha da frente, lá fora os países já resolveram. Na Europa, a lei obriga: 85% do peso do carro tem que ser reciclado, e 95% reaproveitado. No Japão, tudo é rastreado digitalmente: do showroom até o desmanche. A Argentina, que muitos brasileiros ainda torcem o nariz, já tem um sistema avançado e com boa taxa de reaproveitamento.
Por aqui, o que há de novo?
O Programa Renovar, por exemplo, foca nos caminhões velhos. A ideia é dar baixa definitiva e mandar para o desmonte estruturado. Um bom começo, mas ainda restrito aos veículos pesados — e com um apetite que lembra mais um hatch 1.0 do que um V8 biturbo.
Tem também iniciativas privadas interessantes, como startups que apostam na digitalização do processo, e alguns desmanches legais tentando fazer o certo. Mas falta escala. E falta governo.
Gerdau, Vamos e Volkswagen chegaram a fazer um projeto piloto em meados de 2023. Abaixo, o artigo publicado pela Frota News que esteve no evento da apresentação do projeto:
Outro bom exemplo é a parceria da Octa, startup brasileira para transformação da cadeia automotiva em economia circular, com a Marcopolo:
Como os exemplos acima, há outros no Brasil, por isso temos entre 1% e 10% dos veículos reciclados, mas ainda é pouco considerando o tamanho da nossa frota.

Sucateamos até a política de reciclagem
Reciclar veículos não é favor: é questão de saúde pública, segurança no trânsito e inteligência econômica. O problema é que enquanto os órgãos competentes empurram a lataria com a barriga, o país vai colecionando carros mortos sem funeral digno.
É o cúmulo: temos aço, cobre, alumínio, plástico e vidro jogados fora, enquanto importamos matéria-prima a peso de ouro. Sem falar nas peças reaproveitáveis que poderiam gerar empregos, baratear a manutenção e dar fim ao perigoso mercado paralelo.
Conclusão: ou reciclamos direito, ou o lixo nos atropela
Se o Brasil quiser sair do acostamento nessa história, vai ter que mudar a marcha: implantar legislação clara, estimular empresas com incentivos reais, educar a população e, claro, punir quem trata carro velho como bagulho de rua.
Porque carro também morre. Mas precisa ter velório digno — e reciclagem eficiente — se a gente quiser deixar um país mais limpo e mais seguro para quem continua rodando.


