O Brasil, uma das maiores potências agrícolas do mundo, enfrenta desafios significativos na logística de transporte intermodal, especialmente no escoamento de grãos. Embora melhorias em infraestrutura tenham tornado as exportações de soja e milho mais competitivas nos últimos anos, a dependência do transporte rodoviário continua sendo uma questão central. Além disso, a participação das ferrovias no transporte de soja caiu expressivamente, ampliando os custos logísticos e colocando o país em desvantagem em relação a concorrentes internacionais como os Estados Unidos.
Primeiramente, temos que quebrar um mito de que o Brasil é um país dependente do transporte rodoviário. Um estudo feito pela Frota News junto os órgãos responsáveis de transporte das 20 maiores economias do mundo, mostra que a maioria dos países dessas economias têm uma dependência maior do transporte rodoviário do que o brasileiro.
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Lógico que a intermodalidade, com o crescimento dos outros modais, é de interesse de todos os setores. O setor ferroviário deve debater mais sobre os impedimentos, com o complexo relacionamento com as comunidades formadas às margens dos trilhos, a falta de passarelas, as poluições ambientais e sonoras, acidentes, velocidade do ponto A ao ponto B etc.
O panorama mundial
Dados obtidos junto a órgãos governamentais, estudos acadêmicos e entidades independentes, como a Confederação Nacional do Transporte (CNT) no Brasil, revelam a seguinte realidade: países como o Japão (90%), o Reino Unido (98%) e a França (89%) são extremamente dependentes do transporte rodoviário de cargas. Mesmo economias com forte tradição ferroviária, como os Estados Unidos, registram uma participação significativa do transporte rodoviário, com 77,4%.
Enquanto isso, no Brasil, o transporte rodoviário representa aproximadamente 61% do total. Isso coloca o país em uma posição intermediária, à frente apenas dos Países Baixos (55,6%) e da Suíça (65%) entre as nações analisadas.
Fatores estruturais e urbanos
O percentual de cargas transportadas por rodovias em um país está intrinsecamente ligado à sua estrutura territorial e à distribuição de sua população. A ONU aponta que 55% da população mundial vive em áreas urbanas, um índice que no Brasil é ainda mais elevado: 85%. A concentração populacional em cidades favorece a demanda por entregas rápidas e flexíveis, papel que o transporte rodoviário desempenha com eficiência.
Outro ponto relevante é a infraestrutura. Apenas 12,8% da malha viária oficial brasileira é pavimentada, uma cifra que revela desafios tanto para a ampliação do sistema rodoviário quanto para a adoção de outros modais, como ferrovias e hidrovias.
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Uma análise crítica dos dados
O número de 60% frequentemente citado para o Brasil, além de ser comparável ao de outras grandes economias, pode estar subestimado. Quando se leva em conta a valorização monetária das cargas transportadas e as características geográficas e logísticas do país, é plausível que a dependência real das rodovias seja ainda maior.
Vale lembrar que as interpretações sobre esse dado dependem do contexto. No discurso político ou técnico, ele pode ser usado tanto para destacar fragilidades da matriz de transporte brasileira quanto para defender investimentos em infraestrutura rodoviária.
Uma questão de multimodalidade
Assim como nas maiores economias, o Brasil ainda luta para desenvolver sua capacidade multimodal. Ferrovias, hidrovias e portos têm um potencial inexplorado que, se desenvolvido, poderia reduzir custos logísticos e aumentar a competitividade nacional. Mas o que dizer de um país que possui transporte ferroviário de passageiros para os aeroportos e entre as duas maiores capitais? As ferrovias de cargas que foram desenvolvidas atendem interesses de trades internacionais, e pouco dos brasileiros.
A dependência das rodovias, portanto, não é, por si só, um problema. Afinal, não se anda de bicicleta, automóveis e vai ao almoço de família por ferrovias. O verdadeiro desafio está em expandir e melhorar a infraestrutura, tanto rodoviária quanto dos demais modais, promovendo uma matriz de transporte mais equilibrada e eficiente.
Análise
A análise dos dados internacionais mostra que o Brasil não é um caso único ou extremo de dependência rodoviária. Pelo contrário, a predominância do transporte por caminhões é uma realidade compartilhada por diversas potências econômicas. O que diferencia o país, no entanto, é a necessidade urgente de pavimentar caminhos – tanto literal quanto figurativamente – para o desenvolvimento de uma logística mais integrada e sustentável.
Fontes consultadas: Órgãos públicos, estudos acadêmicos e entidades de transporte das maiores economias globais; Confederação Nacional do Transporte (CNT), Fundo Monetário Internacional (FMI).
Ferrovias em declínio e falta ser mais intermodal
Entre 2010 e 2023, a participação das ferrovias no transporte da soja brasileira até os portos caiu de 47% para 33%, de acordo com um estudo da Esalq-Log. No mesmo período, a movimentação por caminhões aumentou de 45% para 55%. Essa inversão se deu porque o crescimento das exportações superou a capacidade de expansão ferroviária no país, investimento que precisa ser do setor privado, já que é as ferrovias, diferentemente das rodovias, não podem ser utilizada por todos os cidadãos.
Para Thiago Guilherme Péra, economista da Esalq-Log, essa situação reflete um déficit de investimentos no setor ferroviário para ser mais intermodal:
“As exportações cresceram em um ritmo mais acelerado do que a capacidade de transporte ferroviário”, explica.
Embora o transporte intermodal por barcaças tenha registrado uma ligeira expansão – de 8% para 12% no mesmo período –, esse modal ainda representa uma fatia pequena do escoamento total. A construção de hidrovias e terminais privados, incentivada pela Lei dos Portos de 2013, foi um dos fatores que possibilitaram essa evolução.
O papel dos terminais privados e do Arco Norte
As tradings Bunge, Cargill, ADM, Dreyfus e Amaggi investiram fortemente na construção de terminais privados e na ampliação da logística por hidrovias. Hoje, mais da metade das exportações brasileiras de grãos passam por terminais privados, com destaque para os novos corredores logísticos no Arco Norte.
Segundo Péra, sem esses novos corredores logísticos utilizando hidrovias, a dependência de caminhões seria ainda maior.
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Comparação Brasil x EUA
Nos Estados Unidos, principal concorrente do Brasil no mercado global de soja, as hidrovias desempenham um papel crucial, movimentando mais de 50% da produção. Já no Brasil, esse percentual é de apenas 13%.
A diferença é ainda mais acentuada quando se observa a distância média entre as fazendas e os portos. Nos Estados Unidos, essa distância é de 80 km, enquanto no Brasil é de 625 km. Essa disparidade resulta em custos significativamente maiores para o transporte brasileiro.
O custo de levar uma tonelada de soja de Sorriso (MT) a Xangai, utilizando caminhões, é estimado em US$ 138,50. Em comparação, o transporte de Davenport, em Iowa, até Xangai, pela rota do Golfo, custa US$ 103,05 por tonelada.
Fretes ferroviários: a solução mais competitiva
Fretes ferroviários são entre 10% e 30% mais baratos do que os rodoviários no Brasil. Na rota Sorriso-Xangai, por exemplo, o custo utilizando ferrovias é de US$ 126,88 por tonelada, cerca de US$ 12 a menos do que por caminhões. No entanto, a falta de capacidade e infraestrutura impede uma maior utilização desse modal.
Segundo Péra, o Brasil precisa investir tanto na expansão da malha ferroviária quanto na modernização da infraestrutura existente.
“O Brasil investe apenas 0,5% do seu PIB em infraestrutura de transporte, enquanto nos Estados Unidos e na China esse índice ultrapassa 2%”, alerta.
O futuro da logística brasileira
Com o atraso nas chuvas nesta safra, a colheita de soja no Brasil deve ficar mais concentrada em um curto período, intensificando a demanda por transporte intermodal. A expectativa é que os fretes rodoviários alcancem um pico entre fevereiro e março, o que pode trazer novos desafios à logística.
A longo prazo, investimentos em ferrovias, hidrovias e terminais portuários serão fundamentais para reduzir os custos e aumentar a competitividade do Brasil no mercado global de grãos. Com uma abordagem integrada e o uso mais eficiente dos modais de transporte, o país pode superar suas limitações logísticas e consolidar sua posição como líder no agronegócio mundial.
Fontes: Esalq-Log, Confederação Nacional do Transporte (CNT), Lei dos Portos (2013).