Diante das especulações que circulam nas redes sociais, o fundador e CEO da Lecar, Flávio Figueiredo de Assis, aproveitou a presença de dezenas de jornalistas nas coletivas do Salão do Automóvel de São Paulo para atualizar as informações sobre a implantação da primeira fábrica brasileira de veículos híbridos flex, prevista para Sooretama (ES).
Ele reconheceu que é natural existir ceticismo diante do projeto, afirmando que muitos duvidam que um empreendedor brasileiro possa criar uma montadora 100% nacional — especialmente após várias tentativas frustradas no passado, em um setor dominado por gigantes globais.
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Durante o evento, Assis confirmou que o cronograma industrial sofreu ajustes. A produção dos primeiros modelos, o SUV 459 e a picape Campo, antes prevista para agosto de 2026, foi adiada para o segundo semestre de 2027.
A mudança é consequência direta do calendário de obras da fábrica, cuja construção está programada para começar apenas no primeiro trimestre de 2026.
“É uma montadora em fase de desenvolvimento e temos longa jornada pela frente para criar ambiente e tornar o carro viável”, afirmou o executivo.
Fábrica ainda no papel, mas com apoio político e estratégico
O projeto industrial apresentado pela empresa no Salão — atualmente em forma de maquete virtual — destaca os fatores que levaram à escolha de Sooretama (ES), entre eles: 38 km da WEG, fornecedora dos componentes elétricos e onde são produzidos mais de 50 mil motores por ano; incentivos fiscais da SUDENE; acesso facilitado a portos e pontos estratégicos de exportação.
O prefeito da cidade, Fernando Camiletti, esteve presente na apresentação e reiterou o apoio do município ao empreendimento. A cidade de Sooretama foi fundada em 1994 — antes era um distrito de Linhas — e conta com uma população de quase 29 mil habitantes. Segundo o prefeito, 50% do município é considerado reserva da Mata Atlântica, e os 90% restantes são propriedades rurais. A economia principal vem da atividade cafeeira e outras da agricultura e pecuária, além da agroindústria.
A Lecar projeta uma capacidade anual de 120 mil veículos e a criação de 1.300 empregos diretos e indiretos, caso o plano se concretize. Esses números significam uma capacidade projetada. No entanto, a produção inicial pode começar em poucas mil unidades e depois pode crescer conforme o projeto vai ficando mais maduro, processo conhecido com o jargão “ramp-up de produção”.
Protótipos estáticos chamam atenção no estande
No Salão, a marca exibiu os modelos 459 e Campo em forma de protótipos não funcionais — mockups construídos em isopor e compensado. Havia expectativas de ter, pelo menos, uma unidade do 459 real, mas também adiada.
O chassi que representa o sistema de propulsão também foi exibido separadamente, reforçando que a empresa ainda está na fase inicial de engenharia e validação.
Tecnologia híbrida flex promete autonomia de 1.000 km
Um dos pilares da estratégia da Lecar é o sistema híbrido-flex com extensor de autonomia (range extender), já utilizado em outros modelos, como o recém-lançado Leapmotor C10, a nova marca chinesa do grupo Stellantis, também apresentado no Salão.
Nesse conjunto, o motor a combustão funciona apenas para gerar eletricidade, sem tracionar diretamente as rodas.
Principais características anunciadas:
- Motor 1.0 turbo flex HR10DDT — da Horse, joint venture Renault–Geely (o mesmo do Renault Kardian). Este motor também já é utilizado pela Marcopolo em seus modelos de ônibus híbridos, como o Volare Attack 9 Híbrido apresentado na Lat.Bus 2024, e em outro protótipo maior mostrado na COP30. Este motor funciona somente como gerador de energia para alimentar as baterias.
- Motor elétrico e inversor fornecidos pela WEG.
- Potência: 165 cv
- Torque: 26,3 kgfm
- Autonomia estimada: até 1.000 km com etanol, sem necessidade de recarga externa.
Vendas antecipadas e expansão comercial

Mesmo sem um veículo funcional, a Lecar mantém sua estratégia agressiva de comercialização. A empresa oferece os modelos em um sistema de compra programada, com parcelas a partir de R$ 2.212,50 e prazos de 48, 60 ou 72 meses sem juros, explicou Rodrigo Rumi, vice-presidente de Marketing e Inovação da Lecar. A picape Campo foi anunciada em pré-venda por R$ 159.300.
No plano de expansão, a empresa mira uma rede de 150 pontos de venda até o fim de 2026, com forte integração de lojistas de seminovos. Segundo a marca, cinco grupos já estariam aptos a operar a partir de dezembro de 2025.
Tático: o “Troller melhorado”
A surpresa da Lecar no Salão foi o conceito Tático, um SUV com apelo off-road que a empresa posiciona como uma alternativa mais refinada ao extinto Troller. A proposta é combinar robustez, tração 4×4 e o sistema híbrido flex. O projeto foi apresentado apenas com por meio de fotos criadas por computação gráfica.
Entre dúvidas e expectativas, um caminho ainda em construção
A Lecar segue desafiando o ceticismo natural que acompanha qualquer novo projeto automotivo nacional. Embora ainda esteja na fase de maquetes virtuais e protótipos estáticos, a empresa demonstra ambição, articulação estratégica e capacidade de atrair parceiros relevantes para sua proposta de veículos híbridos flex.
Os próximos anos serão decisivos para que a marca transforme planos em produto, mas o interesse gerado no Salão do Automóvel e a transparência sobre os desafios indicam que a Lecar está disposta a trilhar um caminho constante. Caso consiga cumprir o cronograma industrial e validar sua tecnologia, poderá abrir uma nova página para a indústria automotiva brasileira — algo que só o tempo, e a evolução do projeto, serão capazes de confirmar.


