Scania e Viação Santa Cruz iniciam testes com ônibus movido a gás natural e biometano entre São Paulo e Campinas
Enquanto o transporte de cargas já avança no caminho da descarbonização — com mais de 1.700 caminhões Scania movidos a gás natural ou biometano em operação no Brasil —, o setor rodoviário de passageiros ainda enfrenta incertezas. As perguntas e dúvidas existem — e as respostas são escassas para dois dos três pilares da operação. Mas é preciso ir a campo para buscá-las. Foi exatamente com esse espírito que a Viação Santa Cruz, a Scania e a Comgás uniram forças para testar, em condições reais, um ônibus movido a gás na rota entre São Paulo e Campinas.
Vamos entender, primeiro, quais são esses três pilares: técnico, ambiental e financeiro. O pilar ambiental já foi respondido em dezenas de artigos publicados pela Frota News.
Pilar ambiental
Em resumo, um veículo pesado abastecido com gás biometano ou gás natural veicular (GNV) de origem fóssil apresenta uma significativa redução nas emissões de poluentes em comparação aos movidos a diesel. O uso de biometano pode reduzir as emissões de CO₂ em até 90%, já que é um combustível renovável produzido a partir de resíduos orgânicos. Já o GNV fóssil também oferece vantagens ambientais, com reduções de até 20% nas emissões de CO₂ em relação ao diesel. Além disso, ambos os combustíveis gasosos proporcionam diminuição de até 85% nas emissões de óxidos de nitrogênio (NOₓ) e praticamente eliminam a emissão de particulados.
No pilar técnico
A questão está bem resolvida para caminhões, que podem ter autonomia de até 900 km (com mochilão de quatro cilindros) e até 1.700 km com uso de GNL (gás natural liquefeito). Além disso, as distribuidoras de gás e os governos de diversos estados estão investindo em infraestrutura para que as principais rotas tenham postos com bombas de abastecimento de alta vazão, além da instalação de postos dentro das garagens dos frotistas.
No pilar econômico
O maior problema no segmento de caminhões era, há três anos, a diferença de até 40% no preço entre o modelo a gás e o a diesel. No entanto, com a nacionalização dos motores Scania a gás em 2022 e o aumento no preço dos caminhões a diesel com a introdução do Euro 6, houve uma redução significativa dessa diferença — atualmente em cerca de 20%, segundo a Fipe.
Agora, vamos entender a questão dos dois pilares — técnico e econômico — que ainda representam desafios para o setor de transporte rodoviário de passageiros.
No pilar técnico, a questão da autonomia é um dos desafios para distâncias acima de 400 km. Até essa distância, parte dos bagageiros dos ônibus pode ser ocupada com até seis cilindros de gás tipo 1, o que garante uma autonomia de 450 km. A distância entre São Paulo e Campinas é de apenas 102 km; portanto, o ônibus pode ir e voltar com apenas um abastecimento.

Segundo Francisco Mazon, proprietário da Viação Santa Cruz, os bagageiros em trechos curtos não são muito utilizados pelos passageiros, nem para encomendas urgentes; portanto, a questão técnica ficou bem resolvida.
E nas distâncias acima de 400 km? Ainda não existem respostas definitivas, pois o bagageiro é mais utilizado, tanto para bagagem dos passageiros quanto para encomendas urgentes. Uma das possíveis soluções é a utilização de cilindros tipo 4 instalados no teto da carroceria dos ônibus. O cilindro tipo 4 é construído com polímero (geralmente polietileno de alta densidade) e totalmente revestido com fibras de carbono, o que o torna muito mais leve — pesando de 30% a 50% do peso de um tipo 1. Porém, esse tipo de cilindro ainda está em fase de homologação, e os fabricantes de carrocerias terão que desenvolver novos modelos adaptados para essa tecnologia.
E o pilar econômico?
Neste pilar está a maior interrogação. Em caminhões, o embarcador ajuda a pagar a conta. Em ônibus urbanos, o contribuinte — mesmo sem saber — paga a conta por meio de subsídios arrecadados via impostos. E no rodoviário? Quem vai pagar a diferença em nome do meio ambiente?
Reduzir ou zerar a diferença parece ser a saída mais viável. A Viação Santa Cruz vai utilizar o ônibus Scania por 90 dias, em regime de comodato, renováveis por mais 90 dias, para fazer as contas. Serão analisados os custos com gás, manutenção etc, para no final, saber sobre a viabilidade desta transição de ônibus rodoviário a diesel por modelo a gás, mesmo que somente em operações até 400 km.
O veículo utiliza o chassi Scania K 340 4×2, encarroçado pela Marcopolo. Com 14 metros de comprimento, acomoda 46 passageiros e tem motor de 340 cavalos de potência, comparável ao dos modelos a diesel. A autonomia gira em torno de 450 quilômetros, e o abastecimento completo dos cilindros leva de 15 a 20 minutos — tempo que pode ser reduzido pela metade caso o projeto avance para a fase de implantação de um posto interno na garagem da operadora, algo já previsto pela Comgás.
“Vamos primeiro testar o veículo para depois decidir pela compra para substituir parte da frota, algo em torno de dez unidades”, afirmou Francisco Carlos Mazon. Apesar de o custo ser de 20% a 30% mais alto do que o de um ônibus a diesel, os ganhos ambientais e a previsibilidade nos custos operacionais são vistos como compensatórios.
2025 será marcado como início da demanda por ônibus a gás

A iniciativa é vista como estratégica pela Scania, que aposta na ampliação do mercado de ônibus movidos a gás no Brasil. “O momento é propício: temos produção nacional de motores, uma infraestrutura mais fácil de expandir que a dos veículos elétricos e um custo total de propriedade competitivo”, destacou um Alex Nucci, diretor de Vendas de Soluções de Transporte da Scania Operações Comerciais Brasil da montadora. A meta é chegar a 150 unidades vendidas até o fim de 2025, com foco principal no transporte urbano, mas com atenção crescente ao setor rodoviário.
A parceria com a Comgás inclui não apenas o abastecimento do veículo em um posto conectado à rede da companhia, mas também estudos para instalação de infraestrutura dedicada na garagem da Viação Santa Cruz. Essa fase é vista como essencial para a escalabilidade do projeto, ao eliminar gargalos logísticos e reduzir tempos de parada.
A redução de até 90% nas emissões de CO₂ quando se utiliza biometano é um dos grandes trunfos ambientais do projeto. Segundo Henrique Sonja Penha, gerente Executivo de Vendas da Comgás, a empresa trabalha na integração das cadeias de produção regionais de biometano para gerar valor econômico com sustentabilidade e atrair atenção de gestores e reguladores. A rede da Comgás já está conectada com duas grandes usinas de biometano, uma em Piracicaba, e outra em Paulínea.
Outra iniciativa em Goiânia
Além da rota São Paulo–Campinas, a Scania participa de outro projeto relevante em Goiânia (GO), onde a prefeitura negocia a aquisição de ônibus urbanos a gás com abastecimento a partir de uma usina de biometano em construção. No portfólio atual da montadora estão três modelos urbanos e um rodoviário a gás.
Ainda incipiente, o mercado de ônibus movidos a gás no Brasil tem avançado de forma pragmática. A aposta da Scania, da Comgás e da Viação Santa Cruz evidencia que, mesmo com desafios em custo e infraestrutura, o segmento começa a sair da fase experimental. O futuro do transporte mais limpo pode, literalmente, estar pegando a estrada.


